Por Gustavo Krause, Paulo Haddad e Rubens Ricupero*
O sistema tributário brasileiro está ultrapassado e necessita novas configurações e resoluções. Com mais uma crise econômica, há urgência para a simplificação de regras, diminuição da carga tributária, eliminação de subsídios que criam distorções e, sobretudo, redução da passividade com os prejuízos socioambientais. Semelhantes demandas estiveram presentes no contexto legislativo há décadas.
Com a população apreensiva pelo futuro e enorme inquietação no mercado financeiro, a busca por novos modos de desenvolver uma economia próspera e atrativa ao mercado internacional deve incluir as demandas de sustentabilidade. O sistema tributário deve ser reformulado em vista de incentivos para o desenvolvimento de produtos, serviços e atividades econômicas com baixa emissão de carbono e com formas de combate de uso de recursos públicos para o subsídio das que vão em sentido contrário, e que, neste novo cenário mundial, resultarem em desvantagem competitiva.
Saneamento, reciclagem de resíduos, biotecnologia, sistemas produtivos agroecológicos, orgânicos e agroflorestais, produção nacional e local de bioinsumos, ecoturismo, restauração florestal, pagamentos por serviços ambientais, para não falar das mais tradicionais como os biocombustíveis e a energia renovável (solar e eólica), infraestrutura e transporte sustentável com baixas emissões de carbono, são algumas das atividades econômicas que integrariam uma “cesta básica ecológica”, com alta perspectiva de geração de prosperidade econômica.
Com bancos centrais já considerando os potenciais efeitos calamitosos das mudanças climáticas em suas análises macroeconômicas, segundo relatório do Bank for International Settlements (BIS), e instituições financeiras avaliando o efeito nocivo das possíveis reviravoltas da natureza à estabilidade financeira de cada país, é imprescindível a defesa de um sistema tributário socialmente justo, que nos permita transitar para uma economia de baixas emissões de carbono e caminhe para uma diminuição gradativa de incentivos injustificáveis e carga tributária, com consequente geração de novos empregos e bem-estar à população de forma ecologicamente sustentável.
Nesse sentido, nós apresentamos ao debate público um conjunto de nove propostas que visam aperfeiçoar os presentes textos em discussão na Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária.
Essas propostas, formuladas por um conjunto de 12 organizações da sociedade civil, em importante colaboração com o trabalho das frentes parlamentares Ambientalista e da Economia Verde, são objetivas, viáveis e destinadas à maior simplicidade, progressividade e neutralidade da tributação. Não resultarão em aumento de valores nem de incentivos insustentáveis.
Priorizamos ainda a sinalização para uma política tributária concordante com o Acordo Internacional de Paris, com a Política Nacional de Meio Ambiente, e que consiga impacto no resguardo à nossa biodiversidade, povos indígenas e populações tradicionais. Sugerimos princípios gerais ambientais para a política tributária; critérios de governança climática e ambiental para distribuição dos recursos arrecadados pelo novo tributo (IBS); reforço da administração ambiental local; a tributação, sem aumento de carga tributária, de emissões de gases de efeito estufa e sobre externalidades ambientais negativas; a vedação a novos incentivos incompatíveis com metas de redução de emissões de CO2.
Diante dos desafios elencados, defendemos o conjunto de propostas abaixo para enriquecer o diálogo da reforma tributária e construirmos um caminho que coloque o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentável.
1- Garantir princípios socioambientais no regime tributário. Assegurar que o sistema tributário esteja em consonância com princípios socioambientais sustentáveis e com os dispositivos constitucionais já consagrados nesse sentido. Os princípios a serem integrados são o da prevenção, do poluidor-pagador e do protetor-recebedor.
2- Melhorar Governança Climática e Socioambiental local. Criar mecanismo de compensação e transferência financeira aos municípios (inspirado no ICMS Ecológico) que estimulem bons resultados em governança climática e socioambiental.
3- Fomentar o Desenvolvimento Regional Sustentável. Incentivar o desenvolvimento regional sustentável, o combate às desigualdades sociais e regionais e a integração nacional por meio do fomento direto a atividades produtivas ou investimentos em infraestrutura econômica sustentáveis.
4- Garantir a plena municipalização do ITR e com a Cide uso do solo. Incentivar o uso produtivo e sustentável da terra. Adaptar o atual ITR conferindo a ele função arrecadatória para os municípios e instituir a Cide uso do solo, com função extrafiscal (sem função arrecadatória) para desestimular o uso improdutivo e insustentável do solo.
5- Transformar a Cide-Combustíveis em Cide-Carbono ou Cide-Ambiental. Melhorar a amplitude, a incidência e a efetividade da Cide, visando combater a emissão de poluentes, defender o meio ambiente e assegurar estabilidade climática.
6- Especificar externalidades ambientais para cobrança do Imposto Seletivo. A lei que regulamentará o imposto poderá garantir sua incidência seletiva sobre produtos e serviços que, de forma mensurável, prejudiquem ou possam prejudicar a saúde, o clima ou o meio ambiente.
7- Compensar a tributação sobre atividades econômicas verdes. Assegurar que seja dado tratamento diferenciado a produtores e prestadores de serviços que contribuam com a sustentabilidade mediante a devolução parcial do IBS pago por atividades consideradas, em regulamentação da lei, como “verdes” ou sustentáveis (com a criação de um Cadastro Nacional de Atividades Verdes, “CNAE Verde”.
8- Vedar a concessão de benefícios a atividades intensamente poluentes. Garantir a premissa de que não serão concedidos benefícios fiscais e subsídios a atividades altamente emissoras de carbono no Brasil, mediante vedação expressa na Constituição.
9- Diferenciar a eliminação gradual de subsídios. Eliminar com prazos diferenciados e progressivos os incentivos concedidos a setores em consonância com políticas florestais, climáticas e socioambientais nacionais e internacionais.
*Os três são signatários da Convergência pelo Brasil (convergenciapelobrasil.org.br/), iniciativa pela retomada econômica com princípios socioambientais.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda durante o governo Itamar Franco de outubro de 1992 a dezembro de 1992.
Paulo Haddad foi ministro da Fazenda durante o governo Itamar Franco de dezembro de 1992 a março de 1993.
Rubens Ricupero foi ministro da Fazenda durante o governo Itamar Franco de março de 1994 a setembro de 1994.
Artigo publicado no jornal Valor, em 18/12/2020.