Eliane Oliveira,
O Globo

O desmatamento e os incêndios criminosos na Amazônia e no Pantanal colocaram o Brasil diante da maior onda de pressão, externa e interna, da História do país. A avaliação é do diretor da Fundação Álvares Penteado (Faap), Rubens Ricupero.

Em sua longa carreira, ele ocupou cargos, como embaixador do Brasil nos Estados Unidos, ministro da Fazenda e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

— Tenho mais de 80 anos e nunca vi isso. Houve momentos, no passado, de pressões localizadas. Nunca vi uma situação em que houvesse uma convergência externa e interna, com ONGs, grandes empresas e bancos. Há uma ou outra exceção, que não representa nem um por cento, que são grileiros, madeireiros, garimpeiros que elegeram e têm o apoio do presidente Jair Bolsonaro — afirmou Ricupero.

Essa visão de unanimidade tem como base a notícia de que 230 organizações ambientais e empresas ligadas à indústria e ao agronegócio se uniram para pedir que o governo reaja ao desmatamento na Amazônia.

Para ele, é claro o risco de o Brasil ser fortemente prejudicado, com perda de comércio, investimentos e o comprometimento da imagem do país lá fora.

— O Brasil tinha uma marca simpática, positiva, e agora tudo isso está sendo destruído por nada, sem ganhar nada em troca. É algo gratuito, absurdo e sem sentido — disse.

Em sua opinião, o vice-presidente Hamilton Mourão, que recentemente assumiu o Conselho da Amazônia, não tem poder para mudar esse cenário.

Para Ricupero, o fato de o governo querer comprar um satélite novo para o Ministério da Defesa, com o objetivo de monitorar a Amazônia, indica a intenção de se criar um sistema paralelo de apuração de dados.

Segundo ele, foi o que tentou fazer, meses atrás, o Ministério da Saúde, com o registro diário de mortes por Covid-19.

— No caso da pandemia, o governo só não conseguiu fazer isso, manipular as informações, porque a imprensa reagiu e criou um consórcio para divulgar os dados. Desconfio que querem criar um sistema próprio de monitoramento. Por que não deixar o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) à frente disso, que é reconhecido mundialmente como referência nessa área? — indagou.

Matéria publicada no jornal O Globo em 17/09/2020.