João Vitor Santos
28 de outubro de 2022
O Brasil teve dois grandes momentos no período denominado Primeira República. No primeiro, até 1930, as marcas são o coronelismo, a dobradinha do “café com leite”, como se de fato ainda não estivéssemos maduros suficientes para essa forma de governo. O segundo, extrapolando um pouco o período da Primeira República, que podemos mais ou menos demarcar entre 1930 e 1964, trouxe avanços, chegando a tocar a camada mais pobre da população. Esse momento foi, no entanto, brecado por um regime de repressão ditatorial. Para o professor e diplomata Rubens Ricupero, é somente em 1985, quando abrimos a Segunda República, que retomamos os trilhos para a consolidação de um efetivo Estado democrático. Só que a viagem dessa locomotiva teve sua velocidade reduzida nesses últimos quatro anos. “Bolsonaro põe fim ao período iniciado em 1985 com o término do regime militar e a fundação da Nova República”, constata.
É por isso que, na entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele avalia que uma eventual reeleição “representaria provavelmente a conclusão da obra de demolição a que Bolsonaro se referiu explicitamente, isto é, à necessidade para ele, primeiro, de demolir o que tinha sido feito pelos predecessores desde a volta do regime civil”. Assim, destaca que é preciso termos clareza do que está em jogo no pleito de 30 de outubro: “a retomada do espírito da Nova República e da Constituição de 1988, resumida em democracia crescentemente participativa, redução da desigualdade e fortalecimento do Estado de direito e dos direitos humanos”.
De outro lado, Ricupero convida a olharmos a alternativa da frente ampla, capitaneada por Lula, para além da polarização esquerda versus direita. “Não se trata, de fato, de eventual vitória de Lula, pessoalmente ou do PT, como partido. O primeiro turno deixou claro que nem Lula nem o PT possuem clara hegemonia, domínio suficiente para governar sozinhos. Sem a inclusão de Alckmin e de tudo o que representa – uma ampla coligação de forças democráticas de centro e centro-direita –, é provável que Lula teria perdido já no primeiro turno”, avalia. “Aliás, o próprio Lula reconhece essa realidade ao se cercar visivelmente de Marina Silva e Simone Tebet, deixando na sombra figuras como Dilma ou gente mais identificada com a esquerda e com seu partido, que seguramente lhe custariam votos no Brasil fora do Nordeste”, completa.
Ver essas e outras tantas forças políticas juntas é focar na emergente reconstrução de um Brasil vilipendiado. Como aponta Ricupero, os desafios são muitos e, ainda, muitos de extrema urgência. “De saída, Lula precisará dissipar o medo que uma parcela da população tem dele e do PT, organizando um governo inclusivo e adotando políticas pacificadoras e prudentes. Só por meio de coligação de ampla envergadura conseguirá reconstruir, com o Congresso e os partidos principais, um relacionamento estável e responsável. Sobre essa base é que se poderá edificar uma política econômica e social de retomada do crescimento com redistribuição de renda”, indica.
Rubens Ricupero é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Atualmente, ocupa a Cátedra José Bonifácio, da USP. Empossado em janeiro, cabe a ele conduzir os trabalhos neste ano do bicentenário da Independência.
Diplomata de carreira desde 1961, exerceu, entre outras, as funções de assessor internacional do presidente Tancredo Neves (1984-1985), assessor especial do presidente José Sarney (1985-1987), representante permanente do Brasil junto aos órgãos da ONU sediados em Genebra (1987-1991) e embaixador nos Estados Unidos (1991-1993). Foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal e do Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco. Serviu de embaixador na Itália e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD, órgão da ONU, deixando o cargo em setembro de 2004, quando se aposentou como diplomata. Entre suas obras, destacamos A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017).
Confira a entrevista completa.
Entrevista publicada no site Instituto Humanitas Unisinos – IHU em 28/10/2022. Clique aqui para conferir a publicação original.