Às nove da manhã deste dia, em 1978, após massacrarem cinco guarda-costas, as Brigadas Vermelhas sequestravam Aldo Moro e davam início ao processo que contribuiria para a completa perda de fé no ideal revolucionário na Itália e na Europa. O monstruoso assassinato de Moro, 54 dias mais tarde, figura, ao lado dos julgamentos de Moscou, do Gulag e dos milhões de vítimas de Stálin, como um dos símbolos do horror que comprometeu irremediavelmente o sonho socialista da emancipação do homem.
A Itália jamais se reergueu, não tanto do infame homicídio, mas da desonra de uma classe dirigente que condenou seu melhor membro a morrer no mais covarde abandono.
As instituições ainda se arrastaram uns anos até se constatar na Operação Mãos Limpas aquilo que já se suspeitava: com a morte de Moro, tinham também morrido a Primeira República e os dois partidos gêmeos e inimigos que a sustentavam, a Democracia Cristã e o Comunista.
Nada de original e forte se consegue fazer crescer, desde então, nos escombros de mais uma das tantas ruínas que atravancam a velha Roma. Os assassinos queriam impedir Moro de realizar o “compromisso histórico”: a superação do impasse simbolizado no empate das eleições de 1976 mediante o ingresso dos comunistas no governo e sua transformação em força democrática e reformista. Esperavam criar condições para a revolução. O que lograram com o crime foi provocar repugnância tão forte que acabou por abranger os conceitos de socialismo e esquerda, como não ocorre em nenhum outro país da Europa ocidental.
Quando o comunismo acabou, os ex-comunistas ainda tentaram se rebatizar de “Democracia de Esquerda”. Tiveram de renegar o segundo termo e formar com os católicos de Prodi um partido que se intitula apenas de “Democrático”. Seu candidato a primeiro-ministro, o prefeito de Roma e ex-redator-chefe do jornal comunista “L’Unità”, Walter Veltroni, define o partido como reformista, mas não de esquerda, e rechaça a identidade socialista.
A aliança Prodi-Veltroni é, com 30 anos de atraso, o compromisso que Moro queria concluir com o eurocomunismo de Berlinguer. Só que deixou de ser histórico pois o colapso mundial do comunismo já tinha liquidado o problema do impasse.
Não é um intento a mais de reinventar o socialismo, como, bem ou mal, tentam Zapatero e outros; trata-se do abandono, puro e simples, da fé na possibilidade mesma da esquerda ou na sua necessidade.
No momento em que crescem na Europa as desigualdades, dando à esquerda renovadas razões para existir, nega-se o que Bobbio indicava como a própria razão de ser da esquerda: a luta contra a injustiça e desigualdade criadas pelos homens.
Embora bem superior à alternativa de Berlusconi, a proposta soa prosaica e melancólica. A demência revolucionária arrastou no seu naufrágio até o que existia de mais puro no sonho socialista.
O único que fica da tragédia é o adeus comovido de Aldo Moro na última carta à mulher, Eleonora, sua Norina: “Beija e acaricia por mim, rosto por rosto, olho por olho, cabelo por cabelo. A cada um, minha imensa ternura, que passa por tuas mãos. Sê forte, minha dulcíssima, nesta prova absurda e incompreensível. São as vias do Senhor. Gostaria de entender, com os meus pequenos olhos mortais, como veremos depois. Se houvesse luz, seria belíssimo”.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 16/03/2008.