Bastaram seis horas para que o coronel Chávez conquistasse o que seu grande compatriota Simon Bolívar não conseguiu em toda uma vida dedicada a libertar metade da América espanhola: a Presidência perpétua. Em compensação, seu discípulo de menor talento ou menores recursos, o presidente Morales, teve de amargar a suspensão da Constituinte sem aprovar um só artigo em 11 meses de trabalho.

Ferve o ambiente pré-eleitoral no Paraguai, onde o ex-bispo Lugo ameaça convocar as massas contra eventual aplicação da proibição constitucional da candidatura de ministro de qualquer religião. Mais ao sul, o casal Kirchner apresta-se a atualizar nas urnas o dito da sabedoria político-conjugal: “Perón cumple, Evita dignifica”.

No até agora oásis chileno, a presidente Bachelet descobre que tinha razão outro sábio latino-americano, que advertia não poder a economia indefinidamente ir bem se o povo ia mal.

Na Bolívia, o vice-presidente ameaça enviar 100 mil campesinos para sufocar a rebeldia de Sucre, provocando a renúncia do prefeito. Os seis departamentos mais ricos e produtores de gás paralisam as atividades. O prefeito de Santa Cruz declara que a solução é dividir o país em dois.

Fora o terremoto de verdade do Peru, abatem-se calamidades políticas de norte a sul. Enquanto tudo treme e se agita, na ilha brasílica só se tem olhos para os picadeiros da política (vários, a exemplo dos circos modernos). Não para observar o embate entre revolução e status quo, como em alguns vizinhos. Resolveu-se o problema com versão melhorada do pão e circo dos romanos.

Um em cada quatro brasileiros recebe ajuda do governo. É pouco, e o esforço em curso visa aumentar a proporção para um em três ou dois, com o cuidado de deixar meia dúzia para produzir alguma renda para ser transferida pelo Executivo. Como não só de pão ou bolsa-esmola vive o homem, a política, em lugar de fornecer circo, virou o próprio circo. Com a vantagem de ser circo-realidade: crimes cometidos sob os olhos do público.

O que pensaria Machado de Assis, a quem Daniel Piza acaba de dedicar livro primoroso no conteúdo e bonito no físico, um prazer para os olhos e para o tato? Em 1893, espantava-se o Bruxo ao ler que, na Grécia, tinham sido presos alguns deputados e membros de quadrilha de salteadores que infestava a Tessália.

“Aburrido”, diriam os hispânicos, com a monotonia, achou sublime essa mistura de discurso e carabina, essa confusão de linguagem: “Em vez de pedir a palavra”, um desses parlamentares “podia muito bem pedir a bolsa ou a vida”. “Condenem os demais”, implora, “mas deixem um (…) que tire ao Parlamento grego o aspecto de uma instituição aborrecida”.

Não correria tal risco se, mais de um século depois, tivesse visto como evoluiriam as instituições nacionais, superando “a monotonia das funções separadas”, “a restrição à liberdade das profissões”.

Comenta ao final que a “novidade está no mandado de prisão”. Até nisso descobriria que a Pátria longe deixou a velha Grécia. Aqui não se prendem parlamentares, ainda que salteadores de carabina: reeleitos (ou não) esperam livres o julgamento do Supremo, que em 111 anos não conseguiu condenar ninguém nesta terra sem pecado. Quando o tribunal ousa enfim aceitar mera denúncia, a Pátria, comovida, suspira com reconhecimento e alívio.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 02/09/2007.