Para quem não crê em desindustrialização precoce no Brasil, reuni, em pouco mais de uma semana, algumas notícias frescas.

A primeira, do “New York Times”, reproduzida pela Folha (18/2), diz que Yin Mingshan, presidente do Grupo Lifan, com o apoio de Huang Zhendong, do Comitê Central do Partido Comunista da China, está tentando comprar “uma das mais modernas e sofisticadas fábricas de motores de automóveis”, em Campo Largo (PR). Não para produzir no Paraná, mas para desmontá-la e, peça por peça, transportá-la à China, a fim de competir no mercado americano e europeu a partir de 2008. A fábrica produz o avançado motor Tritec e pertence ao fracassado consórcio DaimlerChrysler-BMW, que a instalou a custo de US$ 500 milhões. Ela permitiria aos chineses superarem os concorrentes e resolverem seu maior obstáculo técnico: a incapacidade de desenvolver motores sofisticados e confiáveis. Por que comprá-la no Brasil, e não nos EUA? Yin responde: os americanos poderiam bloquear a venda, mas o Brasil não possui leis contra a exportação de tecnologia de ponta. Portanto, dentro em breve, o país registraria no ativo da balança comercial a venda de uma fábrica de US$ 500 milhões só para descobrir, logo após, que os chineses vão nos tirar os mercados externos e, em seguida, caso a Rodada Doha force as reduções industriais cogitadas, começarão a vender-nos aqui mesmo os seus carros.

O exemplo não é isolado. Em “O Estado de S.Paulo”, Agnaldo Brito relacionava diversos episódios de investimentos para exportar suspensos em conseqüência do câmbio para concluir: “Em alguns casos, já há desindustrialização” (19/2).

Citava o fechamento de nove fábricas da Bunge e duas de sua concorrente, ADM, com redução de 30% da industrialização da soja. Outras empresas, entre elas a Azaléia, estão transferindo operações de exportação para a Argentina e até para a China.

A Folha relatava, em 15/02, que pesquisa com 203 empresas americanas ativas no Brasil, realizada pelo Conselho Empresarial Brasil-EUA, de Washington, constatou queda abrupta na expectativa do crescimento brasileiro e nos planos de novos investimentos. O caso da Black & Decker é sintomático: em 2005, teve recorde histórico de exportações, mas perdeu dinheiro. Sua participação no mercado interno foi devorada pelas importações chinesas barateadas pelo câmbio. Conseqüência: as plataformas de exportação de novas linhas de produtos irão para México, República Tcheca e China, não mais para o Brasil.

Um dos resultados mais nocivos da valorização do real é o retrocesso no nível que vínhamos alcançando na diversificação do comércio exterior. Voltamos a concentrar cada vez mais as vendas em apenas dez produtos, quase todos primários. Só agüentam o câmbio desfavorável as poucas commodities que conseguiram elevar preços devido ao aquecimento da demanda externa: minério de ferro, petróleo, café, açúcar. Os dois últimos são reminiscentes da economia colonial do passado.

O retrocesso opera até dentro do ciclo de cada commodity. Segundo revelou Mauro Zafalon nesta Folha (14/02), em 1996, o Brasil representava 47% das exportações de farelo e 44% das de óleo de soja. Dez anos depois, a parcela de farelo caiu para 34% e a de óleo para 31%. A Argentina, que detinha 32% e 43% do mercado desses produtos, saltou para 52% e 62%, respectivamente.

Em compensação, na soja em grão, o produto de menor valor agregado e mais baixo preço, a fatia brasileira passou de 12% a 41%. Nesse exemplo de desindustrialização, o vilão, além do câmbio, é o imposto, que castiga o produto nobre e favorece o bruto.

Diante disso, antes de tocar o indefectível tango argentino, cabe lembrar que não vai dar para voltar ao pau-brasil porque já acabamos com ele. Para país que tem a predestinação fatal de ser o único a ostentar o nome de uma commodity, resta um consolo: tem ainda muita floresta para devastar.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 05/03/2006.