Dos três eixos que dominaram no governo Luiz Inácio Lula da Silva a política exterior brasileira, apenas um dá sinal de vida: o das negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio). Nos outros dois, o Conselho de Segurança e o Mercosul, o Brasil ou quer mas não pode ou pode mas não quer.
O primeiro saiu da agenda real desde que fracassou, em 2005, a tentativa de Kofi Annan de reformar para valer a estrutura da ONU (Organização das Nações Unidas).

O Brasil bem que gostaria de ganhar um lugar permanente no Conselho, mas não tem cacife para superar a falta de consenso entre as grandes potências e os candidatos.

No Mercosul, o país faz figura de uma espécie de Bell’Antonio 2007.

Até que teria poder para tentar impor alguma ordem na balbúrdia criada pela malícia de Kirchner, a infidelidade de Tabaré e o atrevimento bolivariano de Chávez. Prefere, no entanto, assistir como olímpico espectador à perplexidade estabelecida. Será que o faz com a secreta esperança de que recaia sobre outros o ônus de desfechar o golpe final em doente desenganado?

Na OMC, contudo, as coisas começam a se mexer. O entusiasmo de Lula pelo tema surpreendeu durante a visita de George W. Bush. Até se suspeitou de que o etanol fosse jogo de cena e o verdadeiro “beef”, como dizem os ianques, fosse esse. É o sugerido pelo conteúdo das tratativas e declarações, em São Paulo, da negociadora-chefe americana, que deixou de acompanhar o presidente só para ocupar-se de Doha.

Os que pensavam que a rodada tinha morrido, descobriram estar em curso jogada desesperada para forçar, nos próximos dias, um compromisso mínimo. Isso permitiria a Bush pedir em abril, ao Congresso, a prorrogação da autorização para negociar (“Trade Promotion Authority”), que expira em julho.

De Genebra, emanam eflúvios que destilam suspeitas e intrigas. Um dos textos que recebi vinha com o grito de César ao ser apunhalado: “Tu quoque, Brute” (“Até você, Brutus”), enviada com fórmula e latim modificados para se referirem ao nosso ministro. Segundo a versão, o Brasil se prepararia para fechar acordo com os Estados Unidos e a União Européia (UE), isolando a Índia, a Argentina e os outros membros do G20.

O autor inspira-se nos seguintes indícios:

1º) A movimentação diplomática de alto nível entre brasileiros, americanos e europeus (inclusive a vinda do presidente da Alemanha, país que preside a UE), culminando com a visita de Bush, a próxima, de Lula a Camp David, as enfáticas declarações deste último etc.

2º) A surpresa que teria sido criada pelo representante brasileiro, ao afirmar, em recente reunião do G20, em Genebra, que a exigência de teto máximo de US$ 12 bilhões para os subsídios dos Estados Unidos “não estava mais na mesa”.

3º) As palavras de Celso Amorim, que teria dito, no Grupo, estar convencido de que “o pior acordo agora seria melhor do que o melhor em Cancún”. A referência à reunião onde nasceu o G20 teria sido infeliz, pois “o aglutinador do grupo fora justamente o acordo súbito entre a UE e os EUA”.

É esse o “x” do problema. O G20 foi, de fato, reação defensiva contra proposta americano-européia inaceitável. O grupo sempre reuniu elementos heterogêneos. O Brasil e alguns poucos têm interesse genuíno em liberalizar a agricultura. Outros -Índia, China, asiáticos em geral- exigem a (improvável) abertura dos ricos, com a esperança, no fundo, de proteger a própria produção não-competitiva.

Se os ricos cederem, chegará a hora da verdade e da escolha para o G20. O governo deve saber algo além do que disse aqui a representante americana para crer que esse momento já chegou.

O que é esse aceitável “pior acordo”, ninguém sabe. É preciso provar com fatos que ele é melhor do que nenhum acordo. Sem isso, não faltará quem desconfie de que o presidente e seus ministros buscam um êxito externo a qualquer preço, hipótese absurda, pois, como diria Marco Antonio, eles são todos “honorable men”.

Se o acordo não consistir, na prática, em trocar o Brasil do futuro pelo do passado, isto é, a possibilidade de agregar valor na indústria e nos serviços pelo aumento da dependência das commodities, não teremos de temer a única acusação que conta: a de trair nossos próprios interesses.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 18/03/2007.