Poderia ter emprestado o título do tango “Fumando Espero”, mas isso hoje não é politicamente correto. “Esperando Godot” soa muito intelectual, pretensioso. Já os belos versos de Chico Buarque transmitem admiravelmente a idéia da espera infinita, interminável, de que desejo falar. Além da vantagem adicional da atualidade: “Esperando aumento / desde o ano passado para o mês que vem”.

Não, não é mais um artigo atrasado sobre o salário mínimo. Refiro-me a esse sentimento vago de espera indefinida que caracteriza o momento em que vive o mundo. Há na história instantes de decisão em que, após longa espera, os acontecimentos se precipitam e, em questão de meses, se concentra maior densidade de mudanças que em décadas anteriores.

Foi assim com o evento-chave do nosso tempo, o fim da Guerra Fria. Até a véspera, os espíritos mais clarividentes continuavam a prever “mais do mesmo”. Raymond Aron, por exemplo, descrevia as perspectivas em fórmula lapidar que ninguém se atrevia a contestar: “Paz impossível, guerra improvável”. De repente Gorbatchov, Perestroika, queda do Muro de Berlim, unificação da Alemanha, fim do regime comunista na Europa Oriental, desintegração da União Soviética, ponto final do século dos extremos, começado em 1914.

Hoje, em contraste, está-se à espera de que algo decisivo aconteça. Espera-se, em primeiro lugar, pela eleição americana. Esconde-se aí a desconfiança de que atrás da pasmaceira atual exista uma crise de comando. Por toda parte, as lideranças são frouxas, mornas, nem carne nem peixe. Com a aposentadoria de Reagan e Thatcher, agora de Mandela, e a desmoralização de Helmut Kohl, é como se generalizasse para o mundo inteiro o verso de Camões: “O fraco rei faz fraca a forte gente”. Quem sobra além de João Paulo 2º?

Espera também em relação ao petróleo: estabiliza o preço, continua a aumentar ou cai como em 1998? E que efeito terá isso sobre a inflação mundial em aumento? Após Seattle, a OMC vive em compasso de espera, não consegue nem eleger o presidente do Comitê de Agricultura e aguarda março do ano que vem (outra vez a mudança nos EUA). No FMI, tiveram de esperar mais de 130 dias para encontrar sucessor para Camdessus e o processo foi quase tão penoso e complicado como tinha sido na OMC.

A espera maior, contudo, é sobre o que ocorrerá com a economia americana. Seguirá disparada como foguete ou terá aterrissagem suave, do tipo que os passageiros aplaudiam em tempos mais ingênuos? A fim de freá-la, será preciso que os juros, já aumentados em 1,25 ponto percentual nos últimos meses, tenham de ser elevados a 7% antes do fim do ano? E a Bolsa, persistirá na busca das emoções fortes da montanha-russa?

Eu, que espero um dia poder parar de viajar, acabo de chegar de Túnis, Argel, Bruxelas e Zurique e parto hoje de novo a Roma e Washington. Como tenho de fechar o artigo na quarta-feira, não posso esperar para ver se o susto de terça da Bolsa em Nova York será compensado por outra recuperação.

Esse último episódio faz pensar que um fato concreto _a decisão judicial contra a Microsoft_ vale muito mais que as centenas de palavras de advertência do presidente do Fed contra a “exuberância irracional dos mercados”. Ilumina também uma das razões para os impasses atuais: a falta de decisões. A primeira metade dos anos 90 foi a fase da afirmação incontrastável da globalização triunfalista e do pensamento único. Desde 1995, multiplicam-se, no entanto, os sinais precursores do refluxo da maré, dentre eles avultando as grandes crises financeiras do México, Sudeste da Ásia, Rússia e Brasil, para as quais a procura de solução definitiva está sendo igualmente cozinhada em banho-maria.

O mal-estar do momento só se cura com respostas efetivas para problemas como a volatilidade financeira excessiva, o aumento da desigualdade, o desemprego, a precariedade provocada pela deslocalização irresponsável de empresas. Diante de tais questões, é patética a passividade ou fraqueza da reação até dos bem-intencionados. Os adeptos da Terceira Via, por exemplo, que deveriam começar por chamá-la pelo que ela é, a busca de uma segunda via. Não existindo mais, com efeito, a antinomia capitalismo-comunismo, a alternativa seria agora entre o capitalismo na sua última encarnação, com todas suas virtudes e falhas, ou algo diferente. Esse algo só pode ser um capitalismo global reformado e disciplinado por um novo esforço de regulação. O capitalismo sempre teve essa capacidade de reforma, de podar seus piores excessos. Ou melhor, sempre teve quando os governos lhe impuseram limites, como para combater a pauperização depois da Revolução Industrial ou a reação aos monopólios no começo do século 20. É interessante, nesse sentido, que a decisão contra a Microsoft, que tem mais peso do que todos os discursos do encontro da Terceira Via de Florença, descenda historicamente do Sherman Act, a lei antitruste americana, primeiro aprovada em fins do século 19.

Tal decisão indica que a ação imediata, a “esperança aflita, bendita, infinita do apito do trem” que chega, é o único meio de evitar o “desespero de esperar demais”, embora seja também necessário sonhar e esperar “alguma coisa mais linda que o mundo” (com agradecimentos a Chico Buarque).

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 09/04/2000.