Arrastando pés preguiçosos em chinelas puídas, certos governos supostamente “novos” são como um bocejo interminável. Abandonados os ideais pelo caminho, sem apetite nem competência para ação efetiva, o que ficou?
Só o gosto insaciável pelos cargos, as verbas, a vanglória do poder como fim em si mesmo, não para construir algo.
Pude comparar a variedade de começos possíveis em vagarosa peregrinação pela minha diáspora familiar e afetiva, espalhada quase toda ao longo do arco dos Alpes. De Genebra a Klosters, último refúgio de Greta Garbo; de lá, pela Engadina, saindo do mundo real para entrar no das paisagens de folhinha ou tampa de caixas de bombons: Mustair, as aldeias com igrejinhas de torre de cebola, as fontes e arcos de pedra, “montes e a paz que há neles, pois são longe”.
Descendo pelo Tirol do Sul, Bolzano, Trento, subindo de novo a Courmayeur, ao encontro da geleira do Mont Blanc, aqui e ali, conversando com tios, primos, filhas, genros, amigos. Da última vez que fiz isso, a sensação era de fim de reino. Chirac, Blair, Schröder, Berlusconi, Aznar, Arafat, Sharon, o papa Wojtyla, Kofi Annan, um a um se afogavam no crepúsculo.
Agora, a impressão é de começo em toda parte, salvo no caso da malevolente dupla Bush-Cheney, que não acaba de morrer.
Começos há de todos os tipos. Alguns penam para se arrancarem da sombra anterior. Outros, como as falsas partidas nos hipódromos, são anulados devido à sofreguidão ou ao jogo sujo.
Desde que, há 22 anos, terminou a ditadura, a história do Brasil tem sido uma sucessão de falsos começos.
A morte de Tancredo antes de tomar posse agourou a Nova República com uma espécie de maldição de projetos truncados.
Mesmo os governos reeleitos não passa(ra)m de começos. Caíram no erro apontado por Vaclav Havel: reduzir a política à macroeconomia.
Ao subordinarem a ação construtiva à miragem fugidia das perfeitas condições econômicas, condenam-se a um começo perpetuamente adiado. Absorvem-se nos fundamentos e esquecem-se de levantar as paredes.
A mais recente de nossas ilusões atribuía a Luiz Inácio Lula da Silva e ao PT a tarefa de edificar, sobre as bases da estabilidade refeita, a casa acolhedora para dar conforto ao povo de um Brasil renovado. A eleição de um ex-operário à Presidência e de um partido popular era, nesse sonho, o sinal de um novo começo.
Quem sabe até como o da etapa iniciada em 1930 para esgotar-se em 1964 e que havia sido anunciada pelas revoluções políticas e culturais dos anos 20.
Tudo isso soa irrisório diante de governo que vai completar cinco anos sem sair dos prolegômenos. A geléia geral que lhe dá (?) sustentação no Congresso não serve, como na Inglaterra de Brown ou na França de Sarkozy, para votar em poucas semanas todo o programa legislativo necessário.
É como piche melequento que imobiliza a mão de quem quiser tocar avante qualquer projeto. O conceito é novo em política: maioria não para fazer, mas para não fazer. Que remédio? Após três anos ou mais aos quais não há de faltar quinhão de escândalos, caos e barbárie, só nos restará recomeçar de novo.
Até que um dia sentiremos talvez o que senti, dias atrás, na bucólica festa em que os suíços evocam o Pacto de 1291, seu distante começo.
Para eles, já não há começo nem fim, apenas um meio de remanso e paz.
Como na promessa do Senhor: farei a paz fluir para ti, Jerusalém, como um rio.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 05/08/2007.