“É indispensável que, antes de meio século, quatro ou cinco pelo menos das maiores nações da América Latina (…) cheguem como a nossa (…) irmã do Norte a competir em recursos com os mais poderosos Estados do mundo.”

O barão do Rio Branco fez essa afirmação em 1905. Meio século depois, em 1960, o PIB per capita do Brasil equivalia, em poder de compra, a 20,3% do americano; em 2006, cem anos após a meta do barão, alcançava 21,1%.

As demais “maiores nações” do continente apresentavam cifras similares. Em compensação, em Hong Kong era de 90%, em Cingapura, de 81%, e na Coreia do Sul, de 51%.

Correspondendo a desempenho de mais de um século, o exemplo obriga a enfrentar a incômoda dúvida acerca da sustentabilidade do recente crescimento brasileiro e latino-americano. O livro do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) no qual colhi os dados comparativos fornece duas outras indicações pertinentes: os colapsos de produção têm sido mais frequentes na América Latina, enquanto os episódios de expansão são mais curtos e débeis.

Não faltam, ademais, retrocessos como os da Argentina e do Uruguai, desconhecidos em outras regiões.
O próprio Brasil se aproximou dos 32% do PIB per capita dos Estados Unidos em 1980, quando se inicia o ciclo de crescimento lento. Em contraste, os países asiáticos, únicos que de fato estreitaram a distância em relação aos desenvolvidos, caracterizam-se por crescimento acelerado e contínuo durante 20, 30, às vezes 40 anos seguidos.

Terão mudado as razões da constância asiática e da nossa errática trajetória? Não parece. Na corrente década, por exemplo, a taxa média de investimento do setor privado da Ásia (32% do PIB) representou mais do que o dobro da da América Latina (14%). Nossa taxa de poupança nem chegou a 18% no ano passado.

No Brasil, o consumo do governo e dos particulares aumenta duas vezes mais rápido do que a produção; na China, a porcentagem do consumo no PIB caiu de 55%, uma década atrás, para 36%. Já o investimento, responsável no ano passado pela quase totalidade do crescimento chinês, atingiu a cifra espantosa de 50% do PIB!

Puxada pelo consumo, a economia brasileira consome mais do que produz e poupa, vivendo acima de seus meios. Depende de crescente poupança externa, o que agrava seu deficit em conta-corrente. Como sustentar a expansão do consumo se a poupança e o investimento continuam raquíticos? Como financiar o deficit se o câmbio desestimula as exportações e faz explodir as importações? Serão acaso os investimentos estrangeiros, que em 2009 caíram no Brasil quase 50%, dez pontos a mais do que a média mundial (39%)? Como competir com chineses e com coreanos se os sindicatos querem reduzir a jornada semanal de trabalho? Como elevar os investimentos em infraestrutura, hoje apenas um terço dos de 1970, e ao mesmo tempo manter a expansão de bolsas-família e de aposentadorias?

O debate entre os candidatos a presidente deveria se ocupar não de quanto se vai crescer neste ano, mas das perguntas das quais depende a duração do crescimento nos anos e décadas futuros. Instituições de governo que leiloaram Belo Monte de modo precipitado e irracional não estão obviamente à altura do desafio. Se não se der atenção a essa grave advertência, estaremos confirmando nossa tendência à complacência e à autoilusão, geradoras de novos fiascos.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 25/04/2010.