“Grave erro de política internacional (…), megalomania condenável (…), mero luxo injustificável…” Sosseguem, não é a candidatura brasileira ao Conselho de Segurança, como poderia parecer, que foi assim fulminada pelo “Jornal do Brasil”. Na época, aliás, ninguém sonhava com ONU ou Conselho de Segurança. O objeto da ira do jornal era bem mais prosaico. Na véspera, mais de cem anos atrás, Brasil e Estados Unidos tinham elevado a embaixadas suas missões diplomáticas em Washington e no Rio de Janeiro. Foi no longínquo 13 de janeiro de 1905.
O leitor de hoje nem compreenderá por que tanta severidade com ato tão inocente. Afinal, todo mundo tem agora embaixadas, até microestados de alguns milhares de habitantes. Não foi sempre assim, porém. Faz um século, eram raras as embaixadas. Quase apanágio de potências importantes. Na capital americana, não passavam de sete _quase 200 em nossos dias_ e havia uma só latino-americana, a do vizinho México. No Rio, não havia nenhuma. A fim de elevar a embaixada uma legação, não bastava querer. Era preciso que o outro país também quisesse. Por isso mesmo, a decisão tinha carga política, indicava a vontade de alçar a relação mútua a patamar mais elevado. Com esse ato, os americanos mostravam considerar o Brasil o parceiro de maior relevo na América do Sul. Para nós, recém-saídos das convulsões do início da República-Canudos, Revolta da Armada, Revolução Federalista, era a consagração irrefutável de atingimento de status que conferia maior influência sobre os assuntos mundiais.
É válida, nessas condições, a analogia com a conquista de posto permanente no Conselho de Segurança, que possui o mesmo sentido. Não deixa de ser curioso como se assemelham os argumentos e até as palavras das críticas, ontem às embaixadas, hoje à aspiração ao Conselho. Alega-se, por exemplo, que não vale a pena tanto esforço por mera questão de prestígio _”luxo” ou “megalomania”, como se os pragmáticos nipônicos ou teutônicos, candidatos como nós, fossem movidos pela busca de miçangas e paetês em lugar do desejo de participar das decisões das quais depende seu destino.
Outra alegação é que, ao candidatar-se, o Brasil ofende ou aliena a Argentina, o México e outros como se, num mundo cada vez mais competitivo, fosse indecente competir com eles, conforme fazemos a cada dia, do futebol à exportação de carne e soja. Ou como se tivéssemos alcançado _o que seria desejável_ grau de convergência em política exterior que permitisse candidatura comum. Um século atrás, foi a mesma coisa. A criação das embaixadas causou ressentimento na Argentina, até em jornal amistoso como “La Nación”. O menos bem-disposto “La Prensa” chegou a dizer que o Brasil se isolava ao pretender colocar-se em categoria superior à dos demais. Comentava-se então que, para o ministro do Exterior Larreta, o que mais o incomodava era não ter tido a idéia antes de Rio Branco… Vários países tentaram seguir o exemplo, só não o conseguindo porque, por algum tempo, os Estados Unidos se recusaram a criar novas embaixadas na América do Sul.
Ao deslocar de Londres para a capital americana o eixo da diplomacia, o Barão do Rio Branco confiou a Nabuco a execução dessa política. O ministro Fernando Lyra, atual diretor da Fundação Joaquim Nabuco, fez bem ao não permitir que passasse em branca nuvem o centenário de mudança tão fundamental. Organizou para os dias 18 e 19 de agosto, em Recife, seminário de comemoração e estudo do episódio e do seu contexto internacional.
Sempre me interessou estudar esse “doce crepúsculo” da vida de Nabuco. Nunca me animei por saber da dificuldade de acesso aos diários de nosso primeiro embaixador. Qual não foi a minha surpresa quando Lyra me disse que, durante o seminário, seria lançada a edição dos diários. E ainda com a bonança extra de prefácio e notas de Evaldo Cabral de Mello.
Não sei que outras surpresas nos reserva em política interna esse agourento mês de agosto. Seja lá o que for, espero que não nos atrapalhe o afã de demonstrar, indo além do título do encontro, “Joaquim Nabuco, embaixador do Brasil”, que ele foi muito mais que isso, não só “um embaixador” do Brasil mas “o embaixador” por excelência, o primeiro e o maior de todos.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 24/07/2005.