Um espectro ronda a Europa e o mundo: o desemprego, diria Marx, se vivo fosse. O medo de perder o emprego ajudou a dar a vitória a Pat Buchanan nas primárias de New Hampshire.
O mesmo sentimento paralisa as economias da Alemanha e da França. Até o Japão, que parecia imune à doença, está agora com um índice recorde.
Na Rússia, na Europa do Leste, a nostalgia do emprego garantido leva água e votos para o moinho dos pós-comunistas.
Ao começar a contagem regressiva para o ano 2000, este século sanguinário e brutal coleciona suas contradições.
Foi o tempo de Eichmann e de Einstein, de Gandhi e de Hitler, da chegada à lua e de Auschwitz, da eletrônica e de Hiroshima.
De todo o rosário de fracassos do século, o mais persistente é o de não ter conseguido cura para o desemprego, apesar de ou por causa da explosão tecnológica.
O pior é que hoje nem sequer se tenta; os economistas se resignaram aparentemente a que o problema não tem solução.
No tempo da influência de Keynes, acreditava-se na possibilidade de alcançar o pleno-emprego por meio de interferências do governo na economia com o fim de estimular ou desencorajar a demanda, conforme se estivesse em conjuntura recessiva ou inflacionária.
Em nossos dias de monetarismo hegemônico, o conceito de pleno emprego foi substituído pela rebarbativa expressão NAIRU (a sigla em inglês é “non-accelerating inflation rate of unemployment” ou a taxa de desemprego consistente com uma taxa de inflação estável).
Em outras palavras, conforme ensina o mestre do monetarismo, Milton Friedman, existiria um “desemprego natural”, definido como o nível de desemprego que seria consistente com o equilíbrio geral.
Seria, assim, necessário resignar-se a uma dose maior ou menor de desemprego, impossível de eliminar sem provocar outros desequilíbrios.
Poucos meses atrás, a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento) dedicou parte substancial do seu principal relatório ao problema do desemprego de massa nos países industrializados.
O estudo partia de uma contradição: não obstante o apoio generalizado à globalização, à liberalização e ao desenvolvimento baseado no comércio exterior, cada vez é mais frequente culpar as importações de produtos manufaturados dos países em desenvolvimento, sobretudo asiáticos, pelo desemprego nas economias avançadas.
Para os que favorecem o diagnóstico de que o comércio é a raiz do desemprego (caso de Pat Buchanan e outros populistas, por exemplo), os remédios estão à vista:
1) A imposição de barreiras à importação (protecionismo).
2) A exigência de que os países em desenvolvimento adotem padrões trabalhistas mais elevados (a cláusula social).
3) A redução dos padrões trabalhistas nas nações industrializadas (a flexibilização dos mercados de trabalho).
O comércio, porém, apenas explica parte da história. A destruição de empregos seria também consequência de mudanças tecnológicas que privilegiariam a demanda por trabalhadores altamente especializados em detrimento dos operários sem especialização. A solução, neste caso, seria a educação profissional e o retreinamento.
Acontece, contudo, que tanto o comércio como a tecnologia fornecem explicações apenas superficiais para o fenômeno atual, já que a perda de empregos por efeito de maior competição comercial ou devido a novas tecnologias nada tem de particularmente novo na história econômica.
Diante disso, muitos vão procurar a resposta na rigidez do mercado de trabalho, no excesso de leis e regulamentos que encarecem enormemente o custo não-salarial do trabalho e assim desencorajam a criação de empregos.
Embora não descarte a influência do comércio, das mudanças tecnológicas e da rigidez do mercado de trabalho no aumento do desemprego estrutural, o relatório da UNCTAD identifica como principal vilão a política de crescimento baixo adotada nos últimos anos.
De fato, entre 1950 e 1973, quando a economia crescia em média quase 5% ao ano, o desemprego nos países industrializados era de 3,2% da força de trabalho ou menos.
No período mais recente, coincidido com a queda do crescimento a menos de 3% ao ano, o índice médio de desemprego saltou para 7,3% (1980-94). Não é de se admirar, assim, que mais de 35 milhões de pessoas tenham ficado sem emprego.
A desaceleração do crescimento nas duas últimas duas décadas tem sido o resultado de políticas monetárias restritivas inicialmente destinadas a combater a inflação dos anos 70. Elas criaram uma espécie de “círculo vicioso” no qual o baixo crescimento da demanda e o insignificante aumento da produção se alimentam e justificam mutuamente.
Esses fatos indicariam que a verdadeira solução do problema do desemprego passa pela aceleração do ritmo do investimento e do crescimento.
Calcula-se, por exemplo, que se o estoque de capital industrial nos países europeus tivesse crescido, a partir de 1973, de um modesto ponto percentual a mais do ocorrido na realidade, esse aumento teria produzido, por volta de 1992, cerca de 3,9 milhões de empregos a mais na indústria e 4,1 milhões de postos adicionais nos serviços!
Até hoje nenhuma proposta de organização econômica conseguiu criar um sistema capaz de gerar empregos produtivos e eficientes para todos. O comunismo real pensou ter assegurado o pleno emprego, mas o fez por meio da redundância e do excesso, o que acabou por quebrar o sistema.
O capitalismo neoliberal se resigna, como vimos, a níveis de desemprego “natural” cada vez mais altos e cada vez mais intoleráveis.
Enquanto não se assegurar a todo ser humano a possibilidade de se realizar pelo trabalho, será prematuro afirmar, como fazem os adeptos do “fim da história” ou do “pensamento único”, que nenhuma alternativa ideológica como o neo ou pós-comunismo virá perturbar o reino tranquilo e perpétuo da economia de mercado.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 02/03/96.