Participei na semana passada, com o Secretário Geral da ONU Boutros-Boutros Ghali, das discussões sobre a ajuda ao desenvolvimento durante o encontro de cúpula do G-7 em Lyon, em companhia dos dirigentes do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio.
Na entrevista coletiva de imprensa de encerramento, um dos jornalistas perguntou se os grandes países em desenvolvimento como o Brasil e a Índia não deveriam fazer parte do grupo, a fim de conferir-lhe maior representatividade. O presidente francês Jacques Chirac admitiu que a tendência era, de fato, incorporar gradualmente o que chamou, não sem uma ponta de ambiguidade, as “grandes potências do Sul”, às quais acrescentou a China.
A questão sublinha uma das limitações principais do G-7. Embora ele reúna ainda as economias de maior peso na definição dos rumos mundiais da política monetária e comercial, o grupo não pode ter a pretensão de representar alguns dos países que hoje constituem os pólos mais dinâmicos, tanto do desenvolvimento econômico como da expansão da demanda por importações.
Poucos dias antes de viajar a Lyon, eu havia justamente apresentado ao Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc), reunido em Nova York, um estudo em que acentuava dois aspectos nem sempre valorizados do novo mundo em gestação.
O primeiro é que o impulso para o crescimento da economia mundial já não provém mais, há algum tempo, das chamadas “locomotivas econômicas”, isto é, dos Estados Unidos, da Europa e do Japão. A prova é que, enquanto as economias avançadas só devem em média crescer 2% este ano e talvez 2,5 no próximo, os países em desenvolvimento se expandem ao dobro dessas taxas, com mais de 5% no ano passado e no corrente, e 5,5 no próximo.
Na Ásia, as dez principais economias vêm crescendo a taxas médias entre 7 e 8%, com destaque para a China. O mais significativo é que isso vem sucedendo precisamente no momento em que o Japão atravessa há anos sua pior recessão do após-guerra. Desmente-se, assim, o mito de que o desenvolvimento asiático continuava a ser gerado pelos japoneses, o que pode ter sido certo no passado mas já não corresponde ao presente. Conforme assinalou o “Financial Times” num editorial de alguns meses atrás, “os países em desenvolvimento asiáticos não mais dependem do crescimento das nações industrializadas, já que o desenvolvimento asiático passou a ser gerado internamente” (graças, por exemplo, a altas taxas domésticas de poupança e investimento). “Ao contrário, o crescimento dos asiáticos é que se tornou significativo para as economias industrializadas”.
Em nenhum outro setor essa interdependência é mais evidente do que no segundo aspecto realçado no trabalho que apresentei ao …..??…..: o fato de que as importações das dez maiores economias asiáticas alcançaram cerca de US$ 750 bilhões por ano, quase o total das importações americanas, mais do que as da União Européia (excluído o comércio interno) e mais do dobro do que as japonesas.
Ainda mais expressivo é que, entre 1990 e 1995, o volume das importações asiáticas aumentou à taxa anual de 10%, em contraste com as exportações, que só cresceram a 7,5% ao ano. Contrariando os temores de que os tigres asiáticos iriam inundar o mundo com seus produtos, mantendo fechados seus mercados, as compras da Ásia a americanos, europeus e japoneses, além das originárias de outros países em desenvolvimento, excederam no ano passado suas vendas em US$ 41 bilhões.
O interessante é que, nesse mesmo período entre 1990 e 1995, as importações da América Latina se expandiram à uma taxa média de 11,5% ao ano, superior portanto à asiática. Eles caíram no ano passado e neste devido à crise do México e na Argentina. No Brasil, porém, as importações saltaram de US$ 36 bilhões em 1994 a US$ 50 bilhões no corrente ano, um aumento de 40%.
A conclusão do citado editorial do jornal britânico é que um dos maiores desafios do G-7 será o de engajar o grupo heterogêneo mas crescentemente significativo das economias em desenvolvimento da Ásia num permanente diálogo acerca da condução da economia global. A conclusão é quase impecável, com uma falha apenas: será preciso engajar também o Brasil e os maiores países latino-americanos. Não se trata de um favor: como indicam as cifras, é uma imposição da realidade que nos cabe confirmar, superando as nuvens de instabilidade que ainda nos ameaçam, devido sobretudo ao déficit orçamentário e à contínua fraqueza da nossa capacidade de gerar internamente a poupança e o investimento de que necessitamos.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 06/07/96.