Acabo de estar uns dias em Pádua, terra onde Santo Antonio passou boa parte de sua vida de amor ao próximo e de milagres, e hoje capital de um outro milagre, o da economia do Vêneto.
Na realidade, o que existe de extraordinário no Vêneto, atualmente a região de mais rápido crescimento e uma das de menor desemprego da Europa, é o contraste com um passado recente de pobreza, estagnação e emigração em massa.
Foram esses fatores que provocaram, a partir de 1870, a transferência de povoados vênetos inteiros para o sul do Brasil.
Até hoje, o maior contingente dos italianos que colonizaram o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e, em certa medida, São Paulo, é originário das terras próximas a Pádua, Vicenza, Verona, Belluno e, mais ao norte, Trento.
Tudo isso não passa em nossos dias de apagada memória do passado. Quem viaja de trem ou automóvel de Milão a Veneza, só vê agora uma linha quase contínua de modernas unidades produtivas, que atestam a completa industrialização e a riqueza desse antigo bolsão de problemas.
O mais sugestivo nessa radical transformação da paisagem econômica e humana é que ela contraria ou desmente alguns dos temores habitualmente associados à globalização.
É frequente ouvir-se, com efeito, que a globalização só favoreceria o gigantismo, as fusões de imensas transnacionais, com o consequente “encolhimento” da nova estrutura e a supressão de milhares de empregos.
Ora, não é nada disso o que se vê por aqui. De fato, a parte mais substancial da recém-conquistada prosperidade vêneta tem como origem não a industria pesada, os gigantes transnacionais como a Fiat ou as mastodônticas empresas estatais.
Sua base principal são, ao contrário, as empresas médias, de cerca de 500 trabalhadores, ligadas a uma eficiente rede capilar de pequenas empresas atuando como fornecedores.
Essa estrutura de grande plasticidade confere à típica empresa vêneta suas vantagens competitivas maiores: a capacidade de inovação e inventividade em matéria de produtos e técnicas, junto com a flexibilidade e rapidez de adaptação às mudanças nas tendências econômicas.
A flexibilidade é, aliás, essencial para um modelo que encaminha aos mercados estrangeiros entre 35% e 40% da sua produção.
O êxito do Vêneto em compatibilizar, por meio da média e pequena empresa, a globalização dos mercados com o crescimento rápido e baixo desemprego, poderia servir de exemplo para nós, brasileiros, perplexos e angustiados diante dos dilemas da globalização.
Como em nosso caso, o Vêneto provou que se pode crescer com democracia e num contexto político-institucional e econômico longe do ideal, em termos de estabilidade e eficiência governamental.
Também dispomos, sobretudo no Sul e em São Paulo, das mesmas condições de múltiplos centros urbanos médios e pequenos, apoiados em agricultura sólida. Os exemplos empresariais de sucesso estão igualmente presentes entre nós.
Valeria a pena, assim, estudar de perto os aspectos da experiência vêneta, que melhor se prestariam a cruzar o Atlântico, ajudados nisso pelos laços e afinidades tecidos pelos milhares de imigrantes que fizeram esse percurso desde o século passado.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 13/04/96.