A mais inquietante lição do fracasso de Genebra foi a revelação de como são poucos os interessados na genuína liberalização do comércio agrícola. O segundo ensinamento é que as dificuldades serão ainda maiores em âmbito bilateral ou regional, não existindo alternativa satisfatória para fórum de 153 países como a OMC (Organização Mundial do Comércio).

A soma dessas duas parcelas é que economias como a brasileira, cujas vantagens comparativas se concentram em pequeno número de produtos agrícolas, terão opções cada vez mais limitadas para sua estratégia comercial.
Nada ilustra melhor essas verdades do que o impasse responsável pelo fiasco final. De um lado, os EUA, cuja posição só pode ser qualificada de cínica: querem manter o dobro dos subsídios efetivamente utilizados e, ao mesmo tempo, obrigar os asiáticos a abrirem os mercados para produção subvencionada e desleal, que liquidará a agricultura interna.

Do outro lado, a Índia e a China.

Tomam carona na abertura dos demais a suas manufaturas e seus serviços para serem os campeões mundiais do crescimento. Nem por isso abrem o mercado agrícola até para “aliados” como o Brasil, que já se abriram à indústria chinesa e aos serviços indianos e não usam subsídios.

Os europeus, que nunca tiveram interesse sincero pelo êxito de uma negociação concentrada na agricultura, vertem lágrimas de crocodilo para disfarçar a satisfação de terem deixado a outros a culpa pela ruptura.

As últimas três leis agrícolas americanas fizeram com que os EUA passassem de advogados da abertura agrícola a praticantes do pior tipo de subsídio, o ligado ao volume da produção. Com isso, na prática, todas as economias avançadas -EUA, Europa, Japão, Coréia do Sul, Noruega, Suíça- militam contra a liberalização.

Como nenhuma negociação triunfa sem o impulso de um país hegemônico, é duvidoso que essa muralha de defesa deixe passar algo de significativo.
Ainda mais quando, do lado dos subdesenvolvidos, a pressão é, no mínimo, ambígua. Será talvez exagero o apoio de cem países alegado pelo ministro do Comércio da Índia para a proteção da agricultura doméstica. Não andará longe disso, porém, pois, até na América Latina, o México, os caribenhos, a Venezuela pouco têm a ganhar com as exportações agrícolas.

O que sobra é um punhado de gente: Brasil, Austrália, Nova Zelândia, alguns latino-americanos.

Até a Argentina, antes campeã da causa, está hoje empenhada em não pôr em risco sua “reindustrialização”. É muito pouco para resultado ambicioso.

Tentar o bilateral ou o regional tampouco resolve. Amarrado numa união aduaneira com a Argentina, o Brasil terá o mesmo problema que teve em Genebra para flexibilizar concessões industriais. Ainda que o consiga, a experiência do acordo de livre comércio da Austrália com os Estados Unidos mostra que serão excluídos os produtos do nosso interesse: açúcar, álcool, suco de laranja, carnes.

A saída é diversificar e não jogar tudo na agricultura. O que depende, por sua vez, de câmbio melhor e de condições macroeconômicas para melhorar a capacidade de oferta: juros e impostos menores, redução dos custos de transação, melhoria da infra-estrutura de serviços. Sem isso, não existe, a curto prazo, alternativa para as negociações da Organização Mundial do Comércio.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 03/08/2008.