A demissão do ministro Cavallo e a crise mexicana de 1994 são momentos de ruptura que anunciam o fim de um novo ciclo de ilusões na história econômica da América Latina.

A ilusão era crer que se poderia, indefinidamente, crescer à base de recursos de fora e não de poupança interna.

O engano nada tinha de original. Ele já havia alimentado a bolha de expansão após o choque do petróleo de 1973.

A diferença é que os recursos de então provinham de empréstimos bancários, que reciclavam os petrodólares. Desta vez, em lugar dos bancos, são os mercados globalizados que fornecem os fluxos financeiros sob a forma de aplicações em títulos ou nas Bolsas.

Em ambos os casos, o dinheiro externo permite cobrir os déficits do balanço de pagamentos, investir e consumir sem poupar. Ou, como dizem os economistas, pode-se desvincular o investimento da poupança.

A esta altura, seria lícito perguntar: o que há de errado nisso? Nada, é claro, se o tempo assim adquirido for utilizado para aumentar a taxa interna de poupança e criar condições para o crescimento autônomo.

Para isso só, há um caminho: uma política macroeconômica de equilíbrio orçamentário, que elimine o déficit do setor público e a necessidade do seu financiamento, liberando a poupança privada para investimentos produtivos.
Ora, em quase toda a América Latina, do Rio Grande à Patagônia, tropeçamos invariavelmente na hora de passar da dependência à autonomia.

A única exceção é o Chile, que, graças a um orçamento equilibrado ou mesmo superavitário, conseguiu no ano passado uma taxa de poupança doméstica asiática: mais de 27%.

Aliás, como diz um amigo meu, o Chile hoje se parece mais com países como a Nova Zelândia do que com os demais latino-americanos.

Exemplo isolado de êxito no continente, o país andino ingressou num “círculo virtuoso”, no qual a expansão por mais de dez anos a taxas de 7% ou mais gera os recursos fiscais para equilibrar o orçamento e continuar a crescer com poupança interna.

Na Argentina, o plano de conversibilidade tornou o país particularmente vulnerável às flutuações dos mercados internacionais, ao amarrar o ritmo da atividade econômica ao nível de entrada de recursos de fora.

No momento em que a crise mexicana afugentou esses recursos, desencadeou-se uma sequência inexorável: recessão, crise bancária, déficit orçamentário, desemprego de 17%.

Nesse sentido, a demissão de Cavallo não passa, no fundo, de desdobramento da crise do México, retardado apenas pela excepcional estatura do economista argentino, a personalidade mais impressionante dentre todos os ministros da Economia que conheci.

Explicar a demissão pelo choque de temperamento com o presidente é leitura superficial. Afinal, o choque sempre existiu, mas não impediu a coexistência quando as coisas iam bem.

No México como na Argentina, a excessiva dependência em relação aos recursos externos se paga com um preço altíssimo de recessão e sofrimento quando o dinheiro de fora se desmancha no ar. O problema não é financiar os déficits, pois sempre se encontrarão mercados dispostos a fornecer recursos se os juros estratosféricos compensarem os riscos.

Como dizia um cínico especulador, ao recomendar aplicações na América Latina mesmo após a crise mexicana: “Continue a aproveitar a festa, mas procure dançar perto da saída de emergência”.

A lição, tirada do episódio por um político brasileiro, de que não se pode manter política econômica sem crescimento é somente parte da verdade.

É preciso crescer, sim, mas não a qualquer custo. Crescer com a volta da inflação e o agravamento dos déficits apenas deprimiria ainda mais a poupança doméstica e precipitaria a fuga de capitais num estouro pânico que nos pisotearia a todos na saída do baile.

Nosso primeiro ciclo de ilusão terminou abruptamente, com a crise da dívida de 1982 e a década perdida. Antes que o segundo se esgote _com um possível aumento dos juros americanos, por exemplo_ é urgente que o sistema político dê credibilidade à política econômica, o que só pode ser feito com as reformas estruturais.

O exemplo não nos vem da Argentina, mas do Chile. Se não o seguirmos, estaremos condenados a um sonho enganador, perturbado por sobressaltos e pesadelos e seguido por um despertar amargo.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 03/08/96.