Cinquenta anos atrás, muitos economistas duvidavam de que o Brasil jamais conseguisse superar a meta de US$ 2 bilhões em exportações anuais. Em 1960, último dos “50 anos em 5” de JK, havíamos exportado apenas US$ 1,269 bilhão, menos do que dez anos antes, em 1950, com US$ 1,355 bilhão. As exportações oscilavam enormemente, devido, sobretudo, às cotações do café, que representavam mais de 60% do total e chegaram a 73% no auge da Guerra da Coréia (1953).
Esse “pessimismo exportador”, como era chamado na época, foi desmentido a partir de meados da década de 60, quando as vendas externas cresceram até 1985, à média de 9,5% ao ano em volume e a 14,7% em valor. As manufaturas, apenas 5,3% do total em 1964, saltaram a 41,6% em 1983 e mais de 50% posteriormente, com desempenho superior à média mundial e à dos países em desenvolvimento.
Desde então, as crises dos 80 e 90 liquidaram a boa performance e os déficits comerciais reintroduziram o espectro do “estrangulamento do setor externo”. O astral que faltava para a volta do pessimismo exportador foi completado pela percepção (errônea) de que as exportações não responderam às recentes desvalorizações cambiais. O que haverá de verdade nesse derrotismo?
Não muito, como mostra Roberto Iglesias na “Revista Brasileira de Comércio Exterior”, nº 67, em artigo cujo título diz tudo: “Baixo dinamismo das exportações de produtos industrializados ou baixo crescimento da produção industrial?”. Baseando-se em análise de amostra de mais de 96% das exportações, conclui haver relação direta entre o aumento da produção e da oferta doméstica e a expansão das exportações, isto é, “para expandir as exportações, é necessário aumentar a produção”. Foi a instabilidade macroeconômica que provocou o mau desempenho exportador entre 1980 e 1995, inibindo os investimentos produtivos e causando contrações graves da produção nos momentos de tentativas falidas de estabilização.
Ao contrário, as fases de mais rápido aumento da exportação de manufaturados, como a de 1975 a 1980, coincidem com os anos em que a produção física da indústria crescia a taxas médias anuais de 6,7%.
Desse diagnóstico, a principal terapia que se deduz é a necessidade de “estimular o crescimento da produção em condições competitivas”, o que requer investimentos crescentes, dependentes, por sua vez, da manutenção de mínimo de estabilidade.
O estudo revela que, após a desvalorização, o volume exportado de semimanufaturados cresceu em 1999 a 16,8%, e o de manufaturados, a 4,3%. No ano seguinte, porém, esses últimos já se expandiram a 17,1%. Outros fatores, como a queda de preços ou a elevada dependência de insumos importados, a alta do petróleo etc., explicam por que, apesar da desvalorização, os resultados em termos de saldos comerciais não foram espetaculares.
O importante a reter, no entanto, é que o câmbio realista estimulou o aumento da quantidade exportada. O mesmo efeito positivo vem se registrando na melhoria da qualidade, quer dizer, do valor adicionado e do conteúdo tecnológico das exportações. Comparando o ano 2000 com o período 1987-1983, anterior à abertura, verifica-se que os produtos intensivos em tecnologia aumentaram a participação em mais de oito pontos, passando de 22,6% a 31%. Esse crescimento foi possibilitado em parte pelos novos produtos, como aviões, eletrônicos, artigos de telecomunicações, peças para máquinas e equipamentos, em parte pela manutenção do desempenho de setores com tradição exportadora (automóveis, autopeças, outros veículos).
É justamente nesses produtos intensivos em tecnologia que houve maior investimento da indústria, o que confirma a conclusão central em favor da necessidade de aumento da produção e dos investimentos produtivos. Acontece que esse setor, de grande dinamismo exportador, é também aquele no qual ocorre maior comércio no interior da mesma empresa, entre filial e matriz ou filiais da mesma companhia. Isso gera a dependência de insumos importados e, em alguns casos, déficits setoriais acentuados, como em telecomunicações e eletrônica.
A solução não é reprimir as importações, já que essas aumentam a oferta nacional liberando excedentes exportáveis e contribuem para ganhos de produtividade e competitividade. O que se deve fazer é alterar o balanço setorial, expandindo o total exportado dentro de cada área integrada.
O estudo de Iglesias, promovido pela Fundação de Comércio Exterior (Funcex), gera esperança ao relativizar o pessimismo. Demonstra que, com a combinação adequada de crescimento, investimentos produtivos, abertura comercial dosada, melhoria de juros, impostos, do “custo Brasil”, podemos recuperar o desempenho dos anos dourados. Nesse sentido, a recente elevação de juros e os cortes de energia são lamentáveis, pois terão efeitos cumulativos para deprimir a condição crucial para a expansão das exportações, que é a taxa de crescimento econômico. Temos de fazer todo o possível para encurtar a duração de tais medidas. O aumento rápido das exportações em todos os mercados é o único remédio para reduzir a vulnerabilidade do Brasil, não só financeira mas em relação a estratégias frágeis, como a dependência excessiva do Mercosul.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 01/07/2001.