Para a política mundial, o fim de 2007 promete ser melhor do que o princípio, ao inverso da economia, que ameaça findar em desastre um ano iniciado na euforia. Avanços modestos marcaram a evolução dos problemas que dominam a agenda política internacional: terrorismo, não-proliferação nuclear, Oriente Médio, aquecimento global.
O terrorismo, que em 2001 emergiu da periferia afegã para golpear o coração do centro, é devolvido do centro à periferia. Na Europa e nos Estados Unidos, o aperfeiçoamento de métodos policiais e de inteligência consegue abortar a maioria dos atentados antes que se produzam. Os inventores do suicídio como arma passam a usá-lo no seu terreno de origem: Afeganistão, Paquistão, Líbano, Argélia.
O terrorismo da Al Qaeda dá a impressão de reviver o destino do anarquismo niilista no passado: ser vencido não por invasões espetaculares, mas pelas técnicas discretas dos serviços secretos e policiais. A não-proliferação teve vitórias na Coréia do Norte e no Irã. Mais uma vez, a diplomacia e as negociações pacientes prevaleceram sobre as ameaças militares. O golpe final contra os aventureiros da guerra proveio do surpreendente relatório no qual, unânimes, as agências americanas de inteligência desmontaram a suposta iminência da bomba iraniana.
O ineditismo do fato fez nascer a suspeita de que Washington e Teerã tivessem afinal chegado a acordo estratégico para conciliar seus interesses no Golfo. O objetivo seria estabilizar o governo xiita no Iraque, mediante a redução da violência, cada vez mais sensível. O preço, da parte dos Estados Unidos, é abandonar as ameaças e reconhecer ao Irã papel crescente na região.
O relatório de inteligência teria sido o meio para acostumar as opiniões públicas à súbita reviravolta de posições. Verdade ou não, reduziram-se as tensões, com alívio até para o preço do petróleo.
O esboço de processo de paz entre palestinos e israelenses, ao lado do relativo êxito de Bali, são gestos tênues que entreabrem uma fresta no espesso nevoeiro que cobre os dois maiores problemas atuais. Permitem ao menos completar o ano com o bruxulear de uma chama no círio da humana esperança.
Em contraste, na economia mundial, o pessimismo se alimenta de:
1) revelações semanais de novas perdas bilionárias dos bancos e contínua queda de preços dos imóveis;
2) a impotência para reverter a derrocada até por meio de cortes de juros de um ponto percentual de uma só vez;
3) a sensação de início de pânico decorrente de quatro ou cinco injeções maciças de liquidez pelos bancos centrais;
4) a inflação provocada por alimentos e petróleo;
5) as declarações alarmistas do ex-presidente do Fed (o banco central dos Estados Unidos) Alan Greenspan e do ex-secretário do Tesouro norte-americano Larry Summers.
Ainda na hipótese de se evitar nos Estados Unidos uma recessão severa capaz de contagiar o resto do mundo, exige muita coragem acreditar que a demanda chinesa logrará sustentar sozinha o atual boom das commodities. No Brasil, a contração do saldo comercial e a volta do déficit em conta corrente inquietam na hora em que míngua a liquidez e cresce a aversão ao risco. Embaladas pela embriaguez do crédito, do consumo e dos gastos do governo, as autoridades não parecem desconfiar de que o momento de testar os atrativos do país e a solidez das reservas talvez esteja mais perto do que imaginam.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 22/12/2007.