Uma semana atrás, visitei Jean Claude Paye, secretário-geral da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as 26 economias mais avançadas (a última a aderir foi a República Tcheca).

Quase coincidindo com a visita que efetuei à sua sede em Paris, a OCDE havia divulgado a revisão de suas previsões de crescimento das economias industrializadas, confirmando que o desempenho deste ano ficou, uma vez mais, aquém das expectativas.

Em lugar de se expandirem a 3%, como se previra há um ano atrás, tudo indica de fato que essas economias só cresceram 2,4%.

O melhor resultado ficou com os EUA, que tiveram crescimento de 3,3%, enquanto a Europa obteve expansão de 2,9% e o Japão, de quase imperceptíveis 0,3%.

Para 1996 e 1997, a OCDE projeta para seus associados aumentos de 2,6% e 2,8%, respectivamente.

Ainda que tais previsões não se revelem demasiado otimistas, conforme ocorreu recentemente, seu impacto no declínio do desemprego será marginal, com as taxas na Europa se agarrando obstinadamente a níveis superiores a 10% (10,8% em 95; 10,5% em 96; 10,3% em 97).

O grave em tudo isso é que o mundo industrializado, antes a locomotiva da economia internacional, continua, há quase duas décadas, a conhecer um crescimento preguiçoso e arrastado.

Praticamente desde os choques do petróleo, nos anos 70, os países desenvolvidos não conseguiram reencontrar o caminho do crescimento rápido da era dourada do após-guerra. Preferiram taxas lentas, mas seguras, de 2% a 3%, que lhes permitiram concentrar esforços na redução da inflação e, com mais dificuldade e resultados desiguais, na diminuição de déficits orçamentários e dívida pública.

O problema é que expectativas modestas de expansão, em torno de 2,5% anuais, não demonstraram até agora a capacidade de alavancar maiores investimentos e, em consequência, ritmo mais rápido na criação de empregos.

Nesse sentido, as promessas de crescimento e prosperidade associadas à globalização têm-se concretizado, quase com exclusividade, em apenas dois setores.

O primeiro é o dos “tigres” ou economias dinâmicas da Ásia, que, a uma taxa de aumento de 7,8% em 1995, continuaram a ser as principais beneficiárias da globalização. O segundo é o comércio de bens manufaturados, cuja expansão se estima neste ano em 10,4%. Aliás, esses dois fatores estão ligados e o crescimento dos asiáticos deve muito ao êxito desses países em participar do aumento do comércio mundial.

Para a América Latina, 1995 se abriu sob os maus auspícios da crise mexicana. Embora se tenha podido evitar ou conter as ameaças mais destrutivas, pagou-se um preço altíssimo em termos da grave contração do produto no México e na Argentina. O crescimento mais satisfatório de países como o Chile, a Colômbia e, em grau menor, o Brasil não é o bastante para eliminar a impressão de que, neste continente, o melhor deste ano foi ter podido evitar o pior.

Em termos gerais, os aspectos mais encorajadores da economia mundial se concentraram na contínua queda dos níveis de inflação quase em toda parte, na tendência à redução das taxas de juros a longo prazo e na esperança de maior estabilidade cambial.

Esses fatores deveriam, em princípio, permitir a aceleração do crescimento econômico nos próximos anos, caso se consiga, afinal, reverter um persistente quadro psicológico de apreensão e falta de confiança no futuro.

Do ponto de vista histórico, o ano que se arrasta penosamente em direção a um melancólico final deveria ter marcado o ponto mais alto do espírito de celebração. Cinquenta anos após o fim da 2ª Guerra Mundial, tínhamos afinal algo a comemorar: meio século sem um conflito internacional, término da confrontação da Guerra Fria, afastamento do perigo do cataclismo nuclear, as cinco décadas da Organização das Nações Unidas.

Em lugar, porém, de júbilo ou satisfação, o que mais se viu neste ano foi uma atitude de crítica intolerante e estridente, quase rancorosa. A ONU acabou singularizada como uma espécie de bode expiatório das deficiências da comunidade internacional como um todo, sem que houvesse um esforço honesto para fazer um balanço equilibrado deste meio século e para apontar alternativas construtivas.

O resultado dessa mediocridade sem inspiração nem grandeza é que saímos das celebrações com a boca amarga de recriminações e exageros, mais perplexos e desalentados do que antes.

É talvez por isso que se nota uma certa falta de proporção, de correspondência entre, de um lado, um panorama internacional com avanços inegáveis e, do outro, uma percepção subjetiva quem sabe mais pessimista do que a realidade justificaria.

Não que tivessem faltado ao quadro doses mais ou menos escuras das sombras habituais. Basta pensar na crise mexicana que inaugurou o ano e nas greves francesas que o fecham, no atentado a bomba de Oklahoma ou no de gás venenoso do metrô de Tóquio, nas atrocidades balcânicas ou africanas, no assassinato de Rabin.

Não obstante a persistência de tais flagelos, algumas luzes novas se acenderam, ajudando a iluminar problemas antes sombrios e intratáveis. Na Bósnia e na Palestina, a débil chama da paz começa a ficar mais firme e até na Irlanda do Norte aumentam os sinais de que a violência está chegando ao fim.
Por que então parece não haver, não direi mais regozijo ou alegria, mas ao menos uma visão mais serenamente esperançosa na capacidade que têm os homens de encontrar remédios para os males que eles próprios ou outros homens criaram?

É difícil dar explicação cabal sobre o comportamento coletivo de um ano pouco brilhante. Não estaremos, porém, longe da verdade se apontarmos como uma das razões maiores do mal-estar de fim de século a insegurança e o temor que se apoderam das pessoas diante do desconhecido e do incerto.

Para esse mal o remédio é um só: a esperança. O homem vive, como sabemos, mais de futuro que de presente. Viver de futuro requer, contudo, esperança. E esta, quem a dá, mais do que as previsões dos institutos de pesquisa ou as características da realidade objetiva, é a fé de uma liderança política capaz de inspirar confiança e vigor.

Quando ela falta, nos vemos mergulhados na atmosfera enevoada que paira sobre este fim de ano e foi tão bem evocada por Fernando Pessoa: “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra/Brilho sem luz e sem arder/Como o que o fogo-fátuo encerra”.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 30/12/95.