É disso que sofre fundamentalmente o comércio exterior brasileiro: as nossas exportações mudaram muito pouco em 20 anos e estão concentradas em produtos intermediários de baixo preço e demanda estagnada no mundo. Isto é, o problema é muito mais de oferta limitada e equivocada que de barreiras no acesso a mercados.

Não quer dizer que essas barreiras não existam ou sejam de pouca importância. Ao contrário. O Brasil já teve o duvidoso privilégio de ter sido, ao lado da Coréia do Sul, a vítima predileta de medidas antidumping injustificáveis, aplicadas por americanos e europeus, em princípio contra calçados, mais tarde contra o aço. Mas isso faz parte do problema de oferta, pois infelizmente acabamos especializados em um grupo de produtos que representam o núcleo duro e resistente do protecionismo mundial: aço, suco de laranja, calçados etc. A influência no Congresso e governos dos EUA e Europa dos “lobbies” que se opõem a concessões nessas áreas torna irrealista esperar qualquer melhora a curto prazo.

Tal panorama explica o que acontece no momento. Contou-me um amigo que há perplexidade em setores do governo com a frouxa reação das exportações ao que deveria constituir um poderoso efeito cumulativo de numerosas medidas de estímulo. Não obstante a desvalorização da moeda, o aumento dos financiamentos, a criação do seguro à exportação, a concessão de vantagens para participar de feiras, segundo ouço, continuam a apresentar-se sempre os mesmos exportadores interessados em vender os mesmos produtos aos mesmos mercados. Não haveria renovação significativa nem em relação às empresas desejosas de exportar nem em relação à oferta exportadora ou aos mercados de destino.

São características que denotam claramente a falta de competitividade, em termos de preço ou qualidade, de muitos produtos brasileiros, em contraste com as nações asiáticas, que tiveram rápida recuperação da crise justamente porque vendem as mercadorias de crescimento mais dinâmico no comércio internacional: produtos eletrônicos, de telecomunicações, aparelhos de escritório. As nossas exportações, quando aumentam em volume, continuam a sofrer em termos de preços. Para mal de nossos pecados, é esse outro defeito da oferta brasileira: as “commodities” que mais vendemos _café, açúcar, soja_ têm-se beneficiado pouco da relativa recuperação de preço do petróleo e das chamadas “commodities” industriais, isto é, cobre, níquel, metais em geral. A exceção, no caso brasileiro, vai por conta da melhora de cotação da celulose.

Parece-me acertada, assim, a decisão de reativar as câmaras setoriais de competitividade, que podem gradualmente executar uma estratégia de comércio exterior de longo prazo. Eliminado o sério desincentivo de uma moeda artificialmente valorizada anos a fio (o oposto da política seguida pelos asiáticos ou pelo Brasil no passado), o setor exportador brasileiro tem todas as condições de recuperar seu antigo dinamismo, desde que haja política de governo unificada, coerente e perseverante.

Dependemos muito mais disso _quer dizer, de nós mesmos_ que de uma duvidosa e incerta evolução das negociações multilaterais ou do sistema multilateral de comércio, ainda em substância desequilibrado e com viés desfavorável aos países em desenvolvimento, como se acaba de ver com as novas ameaças de ação contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio. Ou com o resultado do painel sobre a Embraer, revelador da incompreensão ou má vontade dos países avançados em relação a problemas reais de países como o nosso.

Prejudicado, de fato, por difícil acesso aos mecanismos de financiamento internacional, o Brasil necessita poder ao menos igualar as taxas de juro e condições de crédito oferecidas pelos ricos como aliciantes à exportação de seus produtos, sobretudo dos bens de capital, em que o financiamento representa mais de 50% do negócio. É em questões desse tipo que se manifesta o viés antidesenvolvimento de um sistema concebido pelos poderosos em função de seus interesses.

Pondo de lado qualquer ideologia, o fato é que, após 52 anos de existência (o Gatt data de 1947), o sistema comercial não foi capaz de integrar a agricultura, os têxteis e as confecções. A exclusão é deliberada, pois são esses precisamente os setores que os grandes querem proteger por não ser competitivos. O mesmo acontece com a distinção entre subsídios permitidos ou proibidos e começa a ocorrer até com o processo de solução de disputas, teoricamente imparcial como um tribunal, mas que tende a encarar as coisas a partir da mentalidade, dos preconceitos e dos interesses dos países avançados (vide caso Embraer, o do balanço de pagamentos da Índia e outros).

Só os dragões asiáticos, inclusive a China, podem utilizar em seu favor as negociações e os mecanismos do sistema comercial. A razão é simples: eles são competitivos e, removidas as barreiras, não temem a concorrência. Para os grandes retardatários no esforço de conquistar competitividade _Brasil, Índia, África do Sul_, é difícil formular propostas para pedir algo de concreto, uma vez que carecem de produtos ou serviços com preço e qualidade. Nesse ponto, a Índia já nos está deixando para trás, devido a seu sucesso como grande exportadora de softwares (daí ter aderido ao ITA, o acordo sobre bens de tecnologia da informação). Enquanto o Brasil não completar a revolução da competitividade, continuará condenado, como agora, a apresentar uma pauta pobre, quase exclusivamente com propostas agrícolas, como se fôssemos uma grande “Argentina tropical”. Ou como se tivéssemos voltado aos tempos em que o marechal Dutra afirmava de modo categórico, nas mensagens ao Congresso, que o Brasil sempre fora e sempre seria um país eminentemente agrícola.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 07/05/2000.