Quando um grupo alemão comprou a Metal Leve e os espanhóis passaram a ocupar posição de destaque nos serviços telefônicos, os brasileiros despertaram para fenômeno central da economia contemporânea: as fusões e aquisições de empresas. É isso que impulsionou em 1999 o investimento estrangeiro direto no mundo a US$ 865 bilhões (US$ 200 bilhões a mais que em 1998) e deve elevar esse número a US$ 1 trilhão em 2000.
É comum ouvir que a globalização não tem nada de novo, pois começou com a era dos descobrimentos e já havia atingido alta intensidade entre 1870 e 1914.
A grande diferença agora, porém, é a envergadura gigantesca e sem precedentes do investimento estrangeiro e da onda de compras de firmas por esse tipo de capital. Existem atualmente cerca de 63 mil empresas transnacionais (TNCs), denominação preferível à de multinacional, que pode criar a falsa impressão de que elas possuem várias nacionalidades, quando são, na verdade, americanas, inglesas, japonesas, alemãs. O que as distingue é que operam em toda parte, transfronteiras, como se essas não existissem ou fossem irrelevantes, já que, na prática, haveria para a produção um espaço unificado em escala planetária.
Essas 63 mil matrizes controlam cerca de 700 mil filiais espalhadas pela face da Terra. As quais, por sua vez, realizam nos mercados em que estão sediadas vendas anuais de US$ 14 trilhões, quase o dobro das exportações globais. Como se vê, o investimento no exterior é mais importante que o comércio internacional para vender aos mercados locais.
No passado, o investimento de fora ingressava em geral num país a fim de criar algo novo, para abrir uma estrada de ferro ou construir uma fábrica, como foi com a indústria automobilística no Brasil. Era o investimento a partir da terra nua, chamado “greenfield”. Hoje o dinheiro estrangeiro vem para adquirir o já existente, os serviços telefônicos privatizados pelo governo ou uma empresa privada de autopeças, como a Cofap, por exemplo.
Em relação à primeira modalidade, a desvantagem da compra é que ela não aumenta a capacidade produtiva, mas apenas transfere a estrangeiros a propriedade e o controle de um setor da produção já criado por investimento nacional anterior.
Em vez de gerar empregos, a transferência frequentemente provoca cortes de pessoal, além de não favorecer, em princípio, a criação de uma capacidade local de pesquisa tecnológica, como tinha a Metal Leve e ainda tem a Embraer. É claro que, se a compra der certo, eventualmente os novos proprietários poderão aumentar o investimento, ampliar a produção, abrir mercados no exterior, criar empregos. A curto prazo, contudo, as aquisições são menos interessantes para países como o Brasil do que o investimento novo, que expande a capacidade de produzir e gera exportações adicionais.
As fusões e aquisições, inclusive as mais numerosas, que ocorrem no interior de cada país, vêm, entretanto, aumentando a uma taxa anual de 42% ao longo dos últimos 20 anos, tendo atingido no ano passado o valor de US$ 2,3 trilhões. Apesar do nome composto do fenômeno, as fusões representam menos de 3% do total e mesmo algumas dessas não passam de aquisições disfarçadas. O que ocorre, de fato, é que algumas empresas poderosas estão cada vez mais engolindo outras. É por isso que no seu “Relatório Mundial sobre Investimento” (“World Investment Report”), dedicado ao estudo das fusões e aquisições, a Unctad constata o surgimento de um verdadeiro supermercado, no qual firmas são compradas e vendidas como se fossem bicicletas ou automóveis.
O que preocupa nessa tendência é que ela aumenta a concentração de poder econômico num mundo já crescentemente desequilibrado pela desigualdade entre países e no interior deles. Na lista das cem maiores transnacionais, só aparece uma empresa de país em desenvolvimento, a Petróleos de Venezuela, que deve esse posto ao petróleo, e não a uma presença realmente global. Em contraste, quase 90 das 100 maiores são originárias dos EUA, Europa ou Japão. É idêntica a concentração relativamente às fusões a aquisições em termos de países (os EUA e a Inglaterra são os líderes) e setores. Trata-se, no fundo, de ameaça ao próprio capitalismo, cujo princípio _a competição_ é incompatível com o monopólio. Conforme declarou o secretário do Tesouro americano, Lawrence Summers: “A busca constante do poder de monopólio torna-se a principal força propulsionadora da nova economia”. A fim de examinar as implicações disso tudo, teremos de esperar pelo espaço da próxima coluna.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 08/10/2000.