“Medo”, disse o ministro de Energia da Arábia Saudita, “é o que adicionou US$ 15 ao preço normal do petróleo”. Ninguém saberia afirmar se a cifra é correta, se o preço “natural” do petróleo deveria situar-se em torno dos US$ 30 o barril ou se essa é mais uma das enigmáticas manobras táticas do astuto ministro Ali Naimi.
O fato é que ele está certo em chamar a atenção para a centralidade do medo como fator responsável pelo aumento da volatilidade e incerteza da economia mundial. O medo não é sempre aquele sentimento irracional inspirado pelo irrealismo do pesadelo e explorado pelos livros e filmes de terror. Pode ser, ao contrário, algo extremamente salutar e racional quando nos leva a evitar perigos reais mas difíceis de prever com precisão quanto ao lugar ou à data em que, de hipotéticos, se transformarão em fatos. Aliás, não se passaram mais que uns dias ou horas da declaração do ministro para que um novo ataque terrorista ao consulado americano em Jidda voltasse a estremecer os mercados.
Com o aumento da insegurança após o 11 de Setembro, o medo tornou-se difuso, podendo assumir muitas formas. No momento, contudo, dentre a infinidade de medos possíveis e plausíveis, três parecem ameaçar mais de perto as projeções e estimativas de desempenho econômico no Brasil, nos países emergentes, no mundo: o petróleo, a desvalorização do dólar e a elevação dos juros nos Estados Unidos, o risco de uma recaída do governo americano em alguma aventura militar no Oriente Médio.
Os perigos relacionados ao petróleo são óbvios e receberam atenção exaustiva nos últimos meses. O processo do governo russo contra a empresa Yukos, a instabilidade política na Venezuela e na Nigéria, os ataques contra oleodutos no Iraque, os furacões no golfo do México, o terrorismo islâmico na Arábia, o recente temor da excessiva dependência da Europa em relação ao gás da Rússia no momento de exacerbação de tensões sobre a Ucrânia, como se vê, é lista interminável, capaz de dar muito susto ainda no decorrer dos próximos meses.
Quanto ao dólar em baixa e aos juros em alta, abstenho-me de acrescentar muito ao que venho já escrevendo há semanas. Somente, a fim de registrar fatos novos, vale mencionar os receios sobre a fuga do dólar expressos pelo prestigioso BIS, o Bank of International Settlements, da Basiléia. Ao observar que os ganhos provenientes do petróleo mais caro não foram acompanhados, desta vez, pela elevação dos depósitos árabes em dólar no exterior, ao contrário do ocorrido, no passado, com os petrodólares, o “Banco Central dos bancos centrais” levantou duas suspeitas. A primeira é que os exportadores de cru já estejam diversificando os recursos em euros ou francos suíços para se protegerem de queda precipitada do dólar. A segunda é que desejam pôr-se ao abrigo de possível medida do governo americano para congelar depósitos suspeitos de financiamento a entidades islâmicas, hipótese prevista no “Patriot Act”. Nos dois casos, é novamente o medo em ação.
Outro temor, de implicações mais graves, é que os asiáticos, de longe os detentores da maior parte das reservas denominadas em dólares, tenham dado início a operações com derivativos, árduas de detectar, para escapar ao risco do colapso da moeda americana. Como se tem observado, se todos os asiáticos tentassem fazer isso ao mesmo tempo, a catástrofe se generalizaria. Pode ser, no entanto, que um ou outro, agindo na calada das trevas da finança moderna, se sinta tentado a reduzir sua exposição. Exemplos do que os moralistas chamavam de “ocasião próxima do pecado” não faltam. Os mais evidentes são os dos países que se colocaram em risco maior ao permitirem uma concentração de reservas em dólares que atinge níveis altíssimos dos respectivos PIBs, de 25%, no caso da Tailândia e da Coréia do Sul, de 18%, no exemplo da Índia.
Finalmente, não convém jamais subestimar o que a escritora americana Barbara Tuchman chamou de “a marcha da loucura humana”, a inexaurível capacidade que têm os governos de repetirem comportamentos insanos e perigosos. No momento, a hipótese mais verossímil de manifestação da demência internacional é a que se projeta sobre o Irã. No domingo passado, por exemplo, o “Financial Times”, que não é um tablóide sensacionalista, publicou um artigo no qual um dos seus colunistas examina a possibilidade, não de uma invasão, mas de um ataque aéreo ou uma operação de “desestabilização e mudança de regime” contra Teerã, de um ponto de vista assépticamente financeiro, retirando do caso os melhores conselhos de aplicação para os investidores.
O artigo cita um “estrategista” do Partido Republicano, Jim Pinkerton, segundo o qual uma ação contra o Irã seria provável em 2005. Não há dia quase em que os jornais americanos e europeus não denunciem os perigos do programa nuclear iraniano. Os comentários atribuídos a fontes anônimas, os vazamentos de supostos planos operacionais, se parecem ao sucedido antes da invasão do Iraque e recordam que o Irã não saiu do “eixo do mal”, apesar do acordo com os europeus para suspender seu programa nuclear. Haverá algum fogo debaixo de tanta fumaça? Quem sabe? A única certeza é a da imponderabilidade do medo, sua irredutibilidade a cálculos exatos. Sobretudo em tempos tenebrosos como os nossos, nos quais, conforme lembrava Walter Benjamin em sua 8ª tese sobre o conceito de história, “o estado de exceção tornou-se a regra dentro da qual vivemos”.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 12/12/2004.