Nesta antevéspera do ano 2000, se quisermos dar um balanço no que aconteceu verdadeiramente de novo e importante no campo do desenvolvimento, a conclusão será talvez unânime.
Mais do que conceitos ou abordagens teóricas que tenham inovado em relação às contribuições dos grandes pioneiros dos anos 50 e 60, o fato central que passou a dominar e definir o debate tem sido a evolução das economias asiáticas.
Podem existir diferenças na maneira de interpretar as causas do crescimento da Ásia e de avaliar as possibilidades de sua continuação no futuro, como se viu no artigo provocador de Paul Krugman em ”Foreign Affairs”. O paradigma asiático resta, contudo, termo de referência obrigatório em qualquer discussão nesse domínio.
O aspecto do debate no qual possivelmente se concentra a maior carga negativa é em relação às reais possibilidades de exportar o modelo asiático para outras regiões ou situações.
O pessimismo a esse respeito é a nota dominante, sustentando muitos que o exemplo da Ásia apresenta mais um interesse arqueológico que relevância atual no quadro da globalização e da liberalização.
Sem entrar na discussão mais nebulosa das vantagens culturais, reais ou imaginárias, do confucionismo ou do autoritarismo dos regimes asiáticos, as objeções de peso maior são as de caráter econômico.
É justamente nesse domínio que o recente relatório da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento) afirma uma posição de moderado otimismo quanto à possibilidade de adaptar o paradigma asiático a outros países, mesmo após as profundas mudanças que se vêm operando na economia mundial.
Num contexto em que o comércio mundial continua a expandir-se a taxas de 7% ou 8% ao ano e desde que não se agrave o protecionismo, não parece haver, à primeira vista, obstáculo insuperável a reproduzir um modelo que se baseia no rápido aumento quantitativo e elevação do valor agregado das exportações de manufaturados.
Alegam, porém, os críticos que o crescimento impulsionado pelas exportações já não oferece as mesmas perspectivas do passado, em razão da exacerbação da competição internacional.
Por exemplo, um esforço simultâneo de promoção da exploração de manufaturados simples por um grande número de países em desenvolvimento poderia inundar o mercado e levar à deterioração de preços, como ocorreu com muitos produtos primários.
Uma segunda objeção tem a ver com a limitação imposta pela Rodada Uruguai ao recurso a certos instrumentos de política industrial, como exigência de ”conteúdo nacional” na fabricação de um produto ou concessão de subsídios à exportação. Exemplo concreto dessas dificuldades é o problema enfrentado pelo Brasil com o regime de indústria automobilística.
Embora exista alguma verdade nessas preocupações, elas tendem a confundir reprodução do modelo com a multiplicação de clones iguais.
Na verdade, os próprios asiáticos diferem muito entre si em termos de sua dependência das exportações ou do ritmo de expansão exportadora.
Não teria sentido, assim, sugerir que gigantes continentais, como a China e a Índia, atinjam os mesmos níveis de exportação ou importação ”per capita” de cidades-Estados como Cingapura ou Hong Kong. A reprodução exige, portanto, originalidade na adaptação às condições de cada país.
O mais importante, porém, é que o desenvolvimento é fenômeno contagioso, como se vê da rapidez com que ele agora se espalha pelas Filipinas, Vietnã, Birmânia.
Cria-se um ”círculo virtuoso”, pois os países emergentes se convertem em grandes importadores e ponte de investimentos para os demais.
A China e a Coréia, por exemplo, absorvem, cada uma, de US$ 90 bilhões a US$ 100 bilhões de importações anuais (e o Brasil, cerca de US$ 50 bilhões). O mesmo fenômeno de intensificação do comércio e dos investimentos entre vizinhos também se manifesta com vigor no Mercosul.
Começa a ganhar realidade o que não passava antes de slogan: a cooperação econômica entre países em desenvolvimento vem permitindo um crescimento relativamente autônomo, reduzindo a dependência em relação aos mercados do norte. O dinamismo dos mercados se transferiu dos industrializados para os países asiáticos e alguns latino-americanos.
Da mesma forma, se a Rodada Uruguai estreitou a margem de manobra, deixou também razoável escopo para políticas ativas em setores cruciais da experiência asiática, como o de poupança e investimento, pesquisa e desenvolvimento e políticas de desenvolvimento regional.
Nesse sentido, um dos principais serviços da Unctad é ajudar os países em desenvolvimento a formular estratégias de exportação de manufaturados compatíveis com as novas normas da OMC (Organização Mundial de Comércio) e fazer que eles permitam evitar em tempo uma concentração excessiva em produtos similares por muitos países emergentes.
A conclusão do relatório é clara: a reprodução do êxito asiático depende muito mais da qualidade das políticas adotadas que de limitações externas, reais, mas perfeitamente superáveis.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 28/09/96.