A crise econômica é também uma crise da globalização. Dizia-se antes que o poder do Estado estava sendo corroído pela interdependência da globalização.
Ora, o que vimos é que esta foi de fato responsável pelo contágio da doença. O remédio, porém, vem sendo administrado pelo Estado nacional por meio dos bancos centrais e dos Tesouros.
A primeira conclusão, portanto, é que, apesar da globalização, permanece intacta a configuração dominada pelo Estado-Nação, cujo poder em relação ao mercado e à sociedade é reforçado pela crise.
A segunda é que o fascínio universal com a eleição e o futuro governo de Obama indica que o resto do mundo espera a solução da crise dos EUA, não de outro pólo emergente ou de ação coletiva. Os EUA continuam o único país com poder decisivo em cada um dos sistemas individuais cujo somatório constitui a galáxia do poder mundial: estratégico-militar, financeiro, comercial, diplomático, dos laboratórios científicos e universidades de primeira linha, o cultural, fábrica de sonhos e símbolos, de valores e modas.
Tal excepcionalismo lhes dá capacidade de vertebrar uma galáxia desconexa, fornecendo-lhe um mínimo de estrutura e ordem. Para isso, os americanos vão precisar dos outros e do poder legitimador das Nações Unidas. A tendência geral é para uma disseminação horizontal e diluição da concentração do poder na maioria dos sistemas; menos assim no estratégico, em que a gigantesca escala dos investimentos e a dianteira consolidada tornam o campo mais rarefeito. O êxito para Obama depende da restauração de meios e valores em três áreas:
- superar a crise econômica e gerir a transição das prioridades externas, do Iraque para a luta antiterrorista no Afeganistão e no Paquistão, recuperando a capacidade de iniciativa comprometida por esses impasses;
- restaurar a autoridade moral, restabelecendo as garantias individuais sacrificadas sob pretexto do terrorismo e liquidando símbolos odiosos como a prisão de Guantánamo;
- aprovar a cobertura universal de seguro de saúde para todos os cidadãos, completando a obra social de Roosevelt e de Lyndon Johnson. Para os demais aspirantes, valem as mesmas condições: forjar os meios, isto é, o substrato econômico e tecnológico da ação, e encarnar alguns fins universalmente desejáveis.
É o que buscam fazer os europeus com política externa mais maleável e progressista em mudança climática.
Os chineses têm tido êxito em acumular meios, não se vendo, todavia, que valores universais possam encarnar, exceto o do sucesso econômico. O mesmo vale para a Rússia. A Índia acaba de dar demonstração da fragilidade de sociedade fraturada por mil dissensões.
Desse grupo, o Brasil é o único que não é potência nuclear, militar ou econômica. Tampouco encarna valores de problemas bem resolvidos, sendo mais o espelho das mazelas do mundo que de suas soluções. Fora das negociações comerciais, o país só é incontornável em ambiente.
Graças à floresta amazônica, à biodiversidade, à matriz energética limpa e ao etanol, é potência ambiental e possui os meios de influir. Faltam-lhe, porém, os valores-fins, já que o fracasso em deter a insensata destruição da Amazônia e do cerrado o condena a uma perpétua posição defensiva nas negociações sobre a mais global das ameaças do nosso tempo: o aquecimento planetário.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 07/12/2008.