O compasso de espera que hoje caracteriza o cenário econômico mundial pode se revelar uma bonança inesperada desde que o país o aproveite para corrigir erros e se prepare para os desafios à frente. Do contrário, terá sido apenas a “visita da saúde”, o alívio temporário que antecede agonias dolorosas e prolongadas.

Está tudo mais ou menos parado nos grandes tabuleiros em que se negociam as regras que hão de governar a economia do futuro. Em nenhum outro lugar isso é tão evidente como em Genebra, na Organização Mundial do Comércio (OMC): nem as negociações agrícolas nem as demais conseguem decolar, após o fiasco de Seattle. A razão é simples: espera-se pela eleição norte-americana para pôr fim à tendência de adiar decisões, inevitável quando termina um longo período de governo, como foram os oito anos de Clinton.

A essa incerteza, sobrepõe-se uma mais grave e independente das eleições: o que acontecerá com a economia nos Estados Unidos e, por tabela, no mundo. Continuarão os juros a crescer, haverá a aterrissagem suave ou traumática, o déficit comercial dos EUA encolherá rapidamente e, com ele, a demanda por importações da única verdadeira locomotiva desse comboio da economia internacional que ameaça saltar dos trilhos? E que impacto terá isso no comércio global, nas condições de financiamento para economias como as nossas, que dependem de contínuas transfusões de sangue? Ninguém sabe, ninguém está de fato no controle, nem Alan Greenspan, cujas advertências contra a exuberância irracional dos mercados não impediram que eles continuassem alegremente exuberantes e irracionais por quase três anos. Aliás, quem soubesse as respostas a essas perguntas não perderia o tempo em especulações ociosas, mas estaria a ganhar zilhões nos mercados irracionais.

Paralisadas estão não só as negociações destinadas a expandir as fronteiras do sistema comercial a áreas como as normas trabalhistas, as ambientais, a competição, até a uniformização dos impostos, em futuro distante. O mesmo ocorre com o código mundial de investimentos da OCDE, a arquitetura financeira, isto é, as medidas para reduzir a volatilidade, prevenir e melhor administrar crises. Não tem tido melhor sorte a proposta do FMI de tornar obrigatória a livre convertibilidade da conta capital do balanço de pagamentos, impedindo qualquer país de impor limites à liberdade de circulação dos capitais.

O que de comum existe entre essas diversas iniciativas é que buscam, quase todas, disciplinar e enquadrar só um dos lados da equação, os países devedores e subdesenvolvidos em geral. O objetivo invariável é restringir a liberdade de escolha desses governos, colocar-lhes fora do alcance as políticas largamente utilizadas pelos ricos durante seus próprios processos de desenvolvimento: controle de câmbio e de capitais, políticas industriais e de orientação regional ou setorial de investimentos, proteção tarifária, subsídios à exportação.

O rolo compressor para impor tais restrições na base de teorias pseudo-científicas e na verdade ideológicas (no sentido de Mannheim, de máscara para camuflar interesses de classes ou de países) teve seu ímpeto rompido não por argumentos, mas por acontecimento de uma contundente realidade; a sucessão cada vez mais frequente de crises financeiras devastadoras.

Nem o FMI, apesar da lábia e do porrete, consegue vender o peixe podre da abertura total da conta capital. Convenhamos que não é fácil. Como, por exemplo, convencer os asiáticos, que viram a morte de perto devido ao veneno inebriante do capital especulativo e volátil, de que a melhor cura para o “delirium traemens” é multiplicar por dez a dose de vodca? É natural que, na falta de uma solução global para a volatilidade financeira, esses países queiram conservar um mínimo de flexibilidade a fim de poder recorrer, se necessário, a remédios heróicos em momentos de crise. Perder essa flexibilidade é entregar-se de pés e mãos atados à mercê do Fundo Monetário Internacional e de seus remédios. Dentre esses, para mencionar alguns aplicados no Brasil, a suspensão há dois anos de obras de saneamento básico, os cortes na merenda escolar, na bolsa-escola.

A trégua de que agora se goza não durará para sempre. Cedo ou tarde hão de renovar-se as pressões para eliminar ou reduzir a margem de flexibilidade de que ainda dispomos. No sufoco em que vivem países como o nosso, ganhar tempo é evidentemente uma boa coisa. O tempo, porém, foge apressado, é substância que se dissolve no ar. No fim das contas, só tem sentido ganhar tempo se soubermos fazer algo de útil com o tempo conquistado. Se utilizarmos esse tempo sobretudo para diminuir a excessiva dependência em relação aos recursos financeiros externos, sejam privados ou do FMI. Na raiz dessa dependência, encontra-se a nossa persistente incapacidade de gerar saldos comerciais capazes de reduzir o déficit em conta corrente e a consequente necessidade de dinheiro de fora, como fizeram a Coréia ou a Tailândia para sair da crise. Ou como nunca deixou de fazer a China, que preferiu a segurança de saldos e polpudas reservas à duvidosa tese segundo a qual no admirável mundo novo da globalização o financiamento do déficit em conta corrente teria deixado de ser problema.

Gerar saldos passa pelos aumentos das exportações, por melhor competitividade em termos de qualidade e preço dos produtos. Não parece impossível lograr isso quando se parte, como em nosso caso, de nível muito baixo de participação no comércio mundial, menos de 1%, e quando países como a Tailândia, do tamanho de Minas Gerais, exportam mais do que nós. Para o Brasil, o problema é, mais que tudo, de oferta: a nossa está estagnada há mais de 15 anos e se concentra em produtos de pouco valor agregado, demanda exterior de crescimento apenas vegetativo e preços deprimidos.

Expandir e diversificar a oferta e enriquecer-lhe o valor agregado depende de uma política de investimentos internos e externos direcionados à exportação, de uma política de geração de tecnologia nacional a serviço da competitividade. Só assim, mediante a eliminação do atraso competitivo, poderemos enfrentar sem susto as futuras negociações no âmbito mundial ou no das Américas. Para isso, repito, é preciso fazer algo com o tempo ganho. Se nos limitarmos a matar o tempo, já nos lembrava o poeta, o tempo acabará por enterrar-nos.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 25/06/2000.