”O que está errado com o nosso país? Falando francamente: a perda de inovação econômica, a apatia da sociedade, uma inacreditável depressão mental _todos esses elementos são sinônimos de crise. Estamos nos comportando como se dispuséssemos de todo o tempo no mundo para mudar.”
Li na imprensa que o presidente resolveu dar nomes aos bois e acusou os líderes políticos de retardarem perigosamente as mudanças econômicas e sociais.
”Seja em matéria de impostos, da Previdência Social, de saúde, educação… só se ouvem as vozes dos grupos de pressão e dos contestadores. Advirto a todos os responsáveis por atrasarem ou sabotarem qualquer dessas reformas por motivos táticos. Não podemos nos dar ao luxo de permitir que nossas instituições políticas se bloqueiem e paralisem a si próprias.”
Os jornais diziam também que os políticos ou rejeitaram o discurso como exagerado e injusto ou reagiram do modo usual, acusando os outros e passando a culpa adiante.
Quem me lê pensará talvez que estou aludindo com atraso ao último bate-boca entre o presidente Fernando Henrique e líderes do Congresso a propósito da enésima tentativa malograda de fazer passar uma reforma administrativa ou de previdência para valer.
Errado. Refiro-me na verdade ao discurso duríssimo, do presidente da Alemanha, Roman Herzog, no final de abril, dando um puxão de orelha vigoroso no estabelecimento político alemão. Pouco antes, o presidente Chirac se havia queixado, em rede nacional, do excesso de conservadorismo dos franceses, temerosos de qualquer alteração no status quo. Passando aos atos, o presidente dissolveu o Parlamento, a fim de tentar obter mandato claro para as reformas.
Da Itália, onde hoje escrevo, o panorama não é distinto. Há frustração generalizada com o terremoto incompleto que pôs por terra a Primeira República, mas não conseguiu substituí-la por instituições estáveis. A Operação Mãos Limpas agonizaria sem ter logrado condenar muitos dos principais culpados e a hidra da corrupção e da máfia já teria tido tempo de fazer rebrotar as cabeças cortadas e algumas mais de lambujem. A reforma das aposentadorias não anda porque o governo depende dos votos da Refundação Comunista. É como se no Brasil o atual governo dependesse do PT para votar a reforma administrativa e da previdência, em vez de apoiar-se (de forma um tanto bamboleante, é verdade) nos partidos de centro-direita.
Por que, quase por toda parte, essa dificuldade em mudar, essa obstinada resistência às reformas? Uma voz longínqua que paira há séculos nos céus peninsulares pode sugerir-nos a explicação. Lembra essa voz profética que: …”não há nada mais difícil de executar e perigoso de manejar (e de êxito mais duvidoso) do que a instituição de uma nova ordem de coisas. Quem toma tal iniciativa adquire a inimizade de todos os que são beneficiados pela ordem antiga, e é defendido sem muito calor por todos os que seriam beneficiados pela nova ordem _falta de calor que se explica… em parte pela incredulidade dos homens. Estes, com efeito, não acreditam nas coisas novas até que as experimentam; portanto, aqueles que as rejeitam, todas as vezes que podem atacá-las, o fazem com empenho; e os que as defendem, defendem-nas tepidamente, de modo que a seu lado se tem uma posição pouco firme.”
Soa familiar, não é? Essas palavras foram, no entanto, escritas há quase 500 anos atrás por Niccol• Machiavelli e constam do capítulo 6º de ”O Príncipe”, na bela tradução de meu amigo Sérgio Bath.
Podemos encontrar algum consolo de nossas desventuras reformistas no fato de que elas são quase universais no espaço e perenes no tempo.
Melhor que o consolo, porém, é meditar no que disse Gorbatchev ao obstinado líder comunista alemão Honecker: ”Quem não sabe mudar em tempo acaba castigado pela história.”
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 10/05/97.