Saindo da letargia, os grandes deste mundo parecem ter descoberto que precisam agir juntos para salvar a economia abalada pelos atentados. A magnitude do estímulo monetário e fiscal que se começou a canalizar ao sistema produtivo é sem precedente na envergadura e na sincronização. Talvez seja essa a única notícia capaz de dar credibilidade à esperança em meio às incertezas do momento.
Pouco antes da reabertura da Bolsa de Wall Street, já se tinha assegurado que não haveria de faltar a necessária liquidez ao sistema financeiro, no qual se injetaram recursos maciços tanto nos Estados Unidos como nos países europeus. Logo em seguida e com diferenças mais de horas que de dias, as taxas de juros foram reduzidas pelo Federal Reserve (pela oitava vez desde maio de 2000), pelos bancos centrais europeu, da Suíça, do Canadá, do Japão, do Reino Unido. A taxa básica americana (3%) é hoje inferior à inflação (3,5%), o que significa que, em termos reais, os juros nos EUA passaram a ser negativos. Só isso indica o enérgico impulso expansionista que se está proporcionando à produção e ao consumo. Para fins de comparação (e lamentação), basta lembrar os pobres produtores e consumidores brasileiros, esmagados por taxas de juros que têm estado, em nível real, entre as mais elevadas do planeta, por período de tempo tão prolongado que surpreende não terem extirpado os últimos resquícios do desejo de crescer.
Não se faz segredo de que o Fed está pronto, caso necessário, a promover novos cortes, tornando o dinheiro ainda mais barato e subsidiado. Como se não bastasse o empurrão monetário, o incentivo fiscal garante impulso adicional. Pondo de lado a discussão sobre a utilização do superávit orçamentário e o risco de que ele acabe por desaparecer, vítima da recessão, o Congresso aprovou ou se apresta a aprovar cerca de US$ 50 bilhões para as companhias aéreas e outros setores diretamente abalados, para a reconstrução de Nova York e o financiamento das operações contra o terrorismo.
No curso dos próximos meses é provável que mais US$ 70 bilhões sejam autorizados para diversos fins, dentro de pacote mínimo imediato de US$ 100 bilhões, segundo Alan Greenspan, o que pode levar a uma injeção estimulante de 1% do gigantesco PIB americano no combalido organismo da economia. Por seu lado, os europeus consideram igualmente a possibilidade de flexibilizar as metas de Maastricht, a fim de reavivar a atividade econômica.
Diante do risco de uma recessão que se propagasse ao conjunto da economia internacional, há muito tempo vinha-se alertando para a necessidade de ação coordenada e eficaz das principais locomotivas, a fim de criar condições para a expansão. Até agora, esses conselhos eram recebidos com polida indiferença ou ceticismo ostensivo. Foi infelizmente necessária uma tragédia de incalculável custo humano para obrigar os governos a abandonar a inércia. É essa a triste verdade contida na expressão “o equivalente moral da guerra”: insensíveis à razão, à solidariedade, até à mais simples prudência, os seres humanos respondem pronta e vivamente à destruição, à violência, à agressão.
O extraordinário potencial mobilizador da guerra ou do seu equivalente já está em ação no caso presente. A primeira de suas consequências plausíveis é que a recuperação da economia talvez se inicie mais cedo do que o esperado. O secretário do Tesouro dos EUA, Paul O’Neill, pensa mesmo que a somatória dos estímulos antecipará de um trimestre a retomada. Se assim for, seus efeitos se fariam já claramente sentir na segunda metade de 2002. Outro resultado tem a ver com a intensidade dessa recuperação: ajudado por tamanha dose de combustível extra, o crescimento viria com muito mais força expansiva.
Tudo isso tem sido possível porque ninguém está perdendo o sono com o temor de que uma sobredose exagerada termine por aquecer demais a economia e ocasione o retorno da inflação. O desemprego voltou a crescer nos Estados Unidos e na Europa, a atividade econômica encontra-se em franca desaceleração, os preços do petróleo por enquanto estão em queda, em suma, o cenário ideal para voltar ao vilipendiado Keynes e aplicar um vigoroso incentivo à demanda.
É quase certo que, na ausência dos atentados de 11 de setembro, nem a sincronização das reduções de juros nem o tamanho do pacote fiscal teriam sido imagináveis. Ao atacar o coração econômico e político dos EUA, o terrorismo abriu as comportas de uma reação em sentido contrário, de força incomensurável. Não é assim irrazoável postular que, se a recessão americana se tornou hipótese quase inevitável, pela mesma razão ela tende agora a durar menos e a preceder reativação mais intensa do que ocorreria em circunstâncias normais.
Só podemos alegrar-nos, é claro, com esse único feixe de luz no coração das trevas. A rigor, caberia lamentar que jamais se tenha cogitado de injetar do mesmo modo liquidez no sistema por ocasião de crises dramáticas para países em desenvolvimento, como foram a de 97-98 na Ásia ou a da dívida externa da América Latina nos anos 80. A natureza humana sendo o que é, não deveria surpreender-nos que a qualidade da resposta esteja em função direta do auto-interesse. Dentro dessa perspectiva, porém, não será talvez ingenuidade incurável formular votos para que a capacidade de tomar iniciativas coordenadas e decididas, a redescoberta da interdependência das nações e da colaboração multilateral sejam também postas a serviço de economias vulneráveis como as da Turquia, Argentina e Brasil, a fim de evitar-lhes colapsos de graves implicações sistêmicas para uma economia mundial fragilizada.
Embora não tenha sido essa provavelmente a intenção dos terroristas, a verdade é que esses três países estão entre as principais vítimas dos atentados. Tais como as estruturas fantasmagóricas do World Trade Center, suas abaladas economias ameaçam desabar se não forem escoradas. Saber que o alívio está perto é um consolo, mas será que aguentaremos até lá?
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 30/09/2001.