A definição mais concisa e perfeita do desenvolvimento se deve não a um economista mas a um filósofo. Jacques Maritain, o criador do humanismo integral, pensava que a economia, ou melhor, a sociedade deveria “promover todos os homens e o homem todo”.

Tudo se encontra contido nessa fórmula. A primeira parte é, por assim dizer, o elemento quantitativo. Promover todos os homens significa não excluir nenhum, abranger todos. É a recusa da marginalização, da exclusão, da fratura social.

Promover o homem todo ou inteiro se refere à qualidade. É dar-lhe a possibilidade de realizar seu potencial criativo, artístico e intelectual, por meio da educação e do lazer, indo além do consumismo material.

Na bela imagem de Saint-Exupéry, trata-se de dar oportunidade a que se manifeste o Mozart que se esconde adormecido na alma da criança pobre.
À luz desse conceito é que se deve ler o inspirado discurso de Robert B. Reich ao deixar, em janeiro passado, a Secretaria do Trabalho dos Estados Unidos.
Seu termo de referência é a economia americana, mas, como esta é a de melhor desempenho do mundo industrializado, as conclusões são, em geral, pertinentes para a situação mundial como um todo.

O título do discurso é “a agenda inacabada” da desigualdade de renda, riqueza e oportunidade, que vem aumentando há mais de 15 anos, atingindo hoje a maior disparidade em memória recente.

Reich denuncia três maneiras erradas de reagir à agenda: a negação, a resignação, o silêncio.

A fim de refutar os partidários da negação, o texto apresenta um anexo técnico de 13 páginas recheadas de estatísticas e gráficos demolidores.

Basta citar um. De 1980 a 1995, os ganhos ajustados à inflação de um adulto no topo da pirâmide (os 10% de renda mais alta) cresceram em 10,7%. No mesmo período, o salário do trabalhador médio caiu em 3,6% e o do situado no décimo inferior despencou em 9,6%.

Os resignados aceitam a desigualdade como subproduto inevitável de mudanças estruturais, sobretudo a globalização e os avanços tecnológicos, que recompensam os mais qualificados e punem os de menor educação. Nada se poderia fazer em relação a um fenômeno universal.

Errado, diz Reich, pois a história mostra que a desigualdade aumenta ou diminui em função de nossas escolhas; não somos impotentes para decidir o tipo de futuro que teremos.

“Não somos apenas uma economia, mas uma cultura. Se, como cultura, escolhermos reagir às forças econômicas que de outra forma nos dividiriam, está dentro de nossa capacidade fazê-lo. E a consequência de escolher diversamente, pretendendo que não temos escolha, é cessar de ser uma sociedade.”

O silêncio é, finalmente, a mais insidiosa das atitudes, pois nos permite desviar os olhos e falar de outra coisa.

Para o ex-secretário do Trabalho, é preciso indagar por que foi possível, durante as três décadas após a Segunda Guerra, partilhar amplamente uma prosperidade na qual todos cresciam juntos.

Sua resposta é que, na época, um pacto social implícito criava as condições para incluir todos ou quase.

O primeiro elemento do pacto se referia ao setor privado. À medida que as empresas prosperavam, os salários e benefícios sociais também melhoravam. Em contraste, agora, mesmo com a economia em crescimento, até companhias lucrativas continuam a despedir gente em ritmo nunca visto em expansões anteriores.

O segundo fator era a segurança social, por meio da qual todos somavam seus recursos contra o risco de que, por doença ou infortúnio, alguém se empobrecesse.

Atualmente, ao contrário, os mais pobres são obrigados a suportar os cortes maiores para equilibrar o orçamento, apenas 35% dos desempregados são cobertos pelo seguro-desemprego e a tendência é que os ricos e saudáveis se retirem do seguro público comum e optem pelo seguro privado, que não cobre os mais vulneráveis.

O terceiro componente do pacto era a promessa de uma boa educação, miragem cada vez mais ilusória numa sociedade em que a segregação de fato pelo nível de renda de bairros ricos e pobres faz com que os jovens das famílias dos 25% do topo da pirâmide tenham uma chance três vezes maior de chegar à universidade do que os dos 25% inferiores.

O pacto social definia um conceito de justiça, mas não era um esquema para redistribuir a riqueza. Apenas proclamava que todos dependiam uns dos outros; que a economia não poderia prosperar a não ser que um grande número de trabalhadores tivesse mais dinheiro no bolso.

Reich adverte que a desintegração do pacto social ameaça a estabilidade da nação e arrisca converter o país em mera “unidade econômica árida”. Lembra o imperativo de não causar dano _que o teste definitivo não é alcançar déficit zero, mas fazê-lo de forma a, no mínimo, não piorar a desigualdade.

E insiste em lembrar que não se pode escapar à questão moral, mas também política, de construir um futuro de abrangência e não de exclusão.

Poderia ter evocado, pois o sentido é o mesmo, o lema dos Tupamaros uruguaios: “Se não houver pátria para todos, não haverá pátria para ninguém”.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 22/03/97.