Brasileiros e latinos deixaram de olhar as eleições americanas como salvação para seus problemas. No passado, na disputa de Kennedy contra Nixon, em 1960, até o governo JK torcia pelo democrata, esperando que ele apoiasse a Operação Pan-Americana. Hoje, ninguém acredita que vá fazer muita diferença para nós quem estiver na Casa Branca a partir de 2009.

Dias atrás, tivemos na Faap debate sobre a campanha eleitoral nos EUA, com representantes do Woodrow Wilson Center, de Washington, e o diretor de seu Instituto Brasil, Paulo Sotero. Foram fascinantes as apresentações, como costuma ser tudo o que diz respeito ao maior espetáculo da Terra em matéria eleitoral: as eleições presidenciais americanas. Mas o fascínio brota do próprio objeto, não de sua relação conosco.

Durante décadas, pensava-se na América Latina que os democratas seriam mais solícitos às necessidades do continente. A política de boa vizinhança, de Roosevelt, e a Aliança para o Progresso, de Kennedy, criaram ou reforçaram tal percepção.

Não faltaram tampouco os exemplos negativos. A frustração da expectativa do Plano Marshall para o hemisfério, logo após a Segunda Guerra, deu início ao rosário das decepções. No Brasil, tomou a forma do abandono do Plano Salte, no começo da Guerra da Coréia.

Pior que a omissão de socorro foi o ativismo anticomunista da Guerra Fria: a Escola das Américas no Panamá, o ensino de técnicas repressivas, o estímulo a intervenções e golpes, o apoio a ditaduras militares. A luta contra as ditaduras também dirigia as esperanças a Washington, sobretudo com a eleição de Carter e a prioridade aos direitos humanos.

Liquidadas a Guerra Fria e as derradeiras guerrilhas, instalou-se uma espécie de indiferença recíproca. É como se os dois lados adotassem a orientação de “benign neglect” (“negligência benevolente”), que Nixon pregava, mas não praticava (basta ver seu papel contra Allende).

O fim dos regimes militares e da crise da dívida inaugura essa fase, que dura já 20 anos e três Presidências dos dois partidos: Bush pai, Clinton, Bush filho. Desde então, a política latino-americana dos EUA se caracteriza por três pilares: os acordos de livre comércio, o combate ao narcotráfico e a luta contra a migração.

Definidos em termos dos interesses americanos, os dois últimos são de natureza negativa para a América Latina. Os acordos comerciais ajudam, mas 15 anos de experiência mexicana indicam que eles estão longe de ser o que foi a adesão à União Européia para a Espanha e a Irlanda.

Ninguém se queixa e a explicação é simples: commodities. Enquanto a China e a Ásia mantiverem altos os preços e a demanda por commodities, a América Latina não precisa dos EUA, mercado saturado para esses produtos.

Os ianques nos pagam na mesma moeda: não precisam de nós. Suas prioridades estão alhures, nas sedutoras areias do Oriente. Lá, qualquer palavra atravessada dos iranianos tem o dom de perturbar o sono do mesmo presidente que reage com soberbo “neglect” às invectivas de Chávez.

Melhor a indiferença que a intervenção e/ou a exploração. Tranquilos nos preparamos para assistir às eleições do Norte, sem imaginar que delas nos virá salvação ou ruína. Após cem anos de desilusões, norte-americanos e latinos descobrem finalmente que podem prescindir uns dos outros.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 28/10/2007.