Como se pode querer culpar a abertura pelo déficit comercial se, muito após sua conclusão, as importações se mantinham abaixo da média mensal de US$ 2,5 bilhões (até junho de 94) e continuávamos a gerar saldos (até outubro)? A abertura pode ter sido, se se quiser, condição necessária, mas não suficiente para o que veio depois.

A partir de novembro de 1994, com efeito, as importações dão um salto e superam os US$ 4 bilhões mensais, sinalizando o aparecimento dos déficits. A explicação da mudança se encontra nas condições advindas com o Plano Real e antes inexistentes: âncora cambial, aquecimento da demanda e acréscimos ou antecipações em relação à abertura original. Em todos esses casos existe espaço para reverter, como se vem fazendo, os aspectos mais negativos.

Posso dizer algo sobre a âncora, pois fazia parte da equipe econômica quando ela foi definida. Não pretendíamos promover a sobrevalorização do real e muito menos sustentá-la por prazo longo. Se assim fosse, teríamos optado pela fórmula argentina, que rejeitamos explicitamente ao preferir um “câmbio estável” e não rígido.

Sabíamos, é claro, que a âncora poderia sofrer defasagem e trazer problemas para a balança comercial. Contudo, mesmo esse eventual efeito indesejado seria tolerável se ajudasse a abaixar a inflação e fosse compensado pelo ingresso de recursos financeiros escorados no nível confortável das reservas.
Naquele momento (maio de 1994) a nossa prioridade absoluta era a inflação, mas já admitíamos que se deveria caminhar para um sistema de bandas quando as circunstâncias o aconselhassem.

A crise mexicana forçou a mudança. Hoje é matéria para debate saber se houve atraso, como quer Eduardo Giannetti, para quem a “sobrevalorização encurtou a vida útil da âncora cambial e deu margem a retrocessos _juros altos e barreiras comerciais_ que agridem os fundamentos e a lógica do Real”.

O importante é que se adotou um mecanismo cambial mais flexível, o qual, após o solavanco da partida, vai aos poucos encontrando sua velocidade de cruzeiro, como se viu na aceitação do segundo ajuste. Não vejo razão para que ele não continue a fazer a correção gradual dos anteriores desvios de rota, levando em conta que desvalorização do dólar, de um lado, e ganhos de produtividade, do outro, trabalham no mesmo sentido.

Nem a abertura, nem a âncora teriam por si sós desencadeado o recente susto se não fosse um terceiro elemento, possibilitado, embora não desejado, pela estabilização de preços do Real: o aquecimento incandescente da demanda.

Com o crescimento ultrapassando 10%, o alarme, não só no setor externo, mas em toda a economia, passou ao vermelho rubro. Não dispondo, pelas conhecidas inibições constitucionais e estruturais, do remédio clássico de cortar gastos, o governo viu-se compelido a agir sobre o crédito e os juros, com efeitos de desaceleração já perceptíveis.

Houve, enfim, acréscimos ao programa de liberalização gradual praticamente concluído em julho de 1993, com a decisão, entre outras, de reduzir para 20% a tarifa de 35% sobre automóveis e mais 440 produtos (setembro de 1994).

Em defesa dessas medidas, pode-se dizer que elas visaram, em alguns casos, forçar para baixo preços renitentes ou beneficiar o consumidor em setores notoriamente defasados do ponto de vista de qualidade e preço em relação ao exterior ou com problemas estruturais de subinvestimento (têxteis, por exemplo).

Onde tenha havido erro ou excesso, é possível retificá-los pela negociação e dentro das normas da Organização Mundial de Comércio, e não pela volta impossível a um passado de cotas e distorções.

A estratégia correta para manter a abertura sem risco excessivo para o balanço de pagamentos deve, de início, evitar dois extremos igualmente nocivos e ineficazes.

O primeiro consiste em camuflar um problema macroeconômico cambial e de demanda excessiva mediante a criação artificial de um colchão tarifário, que será inelutavelmente erodido pela persistente alta dos preços internos, anulando a proteção adicional.

O segundo é o velho artifício de estimular exportações e inibir importações pelas contínuas desvalorizações cambiais, que impossibilitam controlar a inflação e apenas mascaram a falta de competitividade do setor exportador.
No capítulo positivo do “que fazer”, a estratégia eficaz deve avançar simultaneamente em três frentes:

1º) completar a estabilização por meio das reformas, constitucionais e outras (fiscal, tributária, da Previdência), que possibilitem desonerar as exportações e crescer saudavelmente como o Chile, sem os espasmos sucessivos de aquecimento seguido de recessão;

2º) facilitar, como se tem feito, a importação de bens de capital, alimentos e matérias-primas, essenciais inclusive às exportações;

3º) definir política de competitividade que ataque problemas estruturais de setores como automobilístico, têxteis, calçados, brinquedos, com os instrumentos autorizados pela Rodada Uruguai e que descreveremos em futuro artigo.

Em resumo, o caminho não é reprimir importações, mas estimular, ao mesmo tempo, exportações e importações. Se o tivéssemos seguido, não precisaríamos temer a tendência atual de as importações se estabilizarem em torno de US$ 50 bilhões ao ano, pois apenas mantendo, sem recuos, a participação que tínhamos nas exportações mundiais em 84 (1,5% do total), estaríamos hoje exportando US$ 55 bilhões.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 12/08/95.