A receita de exportações da América Latina caiu quase 2% de janeiro a setembro do ano passado, segundo recente relatório da Cepal, que diagnosticou inquietante tendência para a estagnação ou o retrocesso de esforços de integração regional como o Mercosul. A desaceleração econômica nos Estados Unidos e nos demais países explica em parte o recuo do comércio exterior. De um ponto de vista mais estrutural, no entanto, o problema é que “os países da região continuam a basear seu comércio exterior em número limitado de produtos”. Em outros termos, apesar de os investimentos estrangeiros terem passado de média anual inferior a US$ 10 bilhões, antes de 1990, para US$ 70 bilhões, em 1997/98, não houve nem muita diversificação de exportações, nem, consequentemente, verdadeiro desenvolvimento da base produtiva.

“Quanto mais, melhor” é fórmula simplificada que parece resumir, no essencial, a atitude dos países latino-americanos em relação aos investimentos estrangeiros. A maximização de recursos tem muito a ver com a busca desesperada de meios e modos de tapar os buracos abertos no balanço de pagamentos pelos déficits de comércio e serviços. Esse “curto-prazismo” se sublima em racionalização que domina o pensamento da maioria desses governos, inclusive o nosso até data recente. Trata-se da crença, na realidade de fundo ideológico, de que, uma vez consolidados os fundamentos macroeconômicos de um país, o movimento espontâneo dos investimentos se encarregaria de todo o resto, até mesmo de gerar novas oportunidades competitivas de exportação.

Da demonização do capital estrangeiro na década de 50 passou-se ao extremo oposto, à ingenuidade de encará-lo como uma espécie de “deus ex machina” que nos dispensa do esforço de pensarmos o próprio país, de tentar influir de alguma forma sobre o futuro que gostaríamos de construir para nós e para nossa integração com o mundo. É dessa atitude mental que decorre a recusa da necessidade de um projeto nacional, de uma estratégia clara de objetivos a alcançar no longo prazo. Esqueceu-se de que o exemplo de maior êxito de nossa transformação produtiva _a implantação da indústria automobilística e da indústria pesada em geral_ só foi possível, a partir dos anos 50, porque o país dispunha então de estratégia de desenvolvimento que soube harmonizar os interesses dos investidores com os objetivos nacionais.

Na época, buscava-se resolver o “estrangulamento externo” mediante a substituição das importações. O desafio agora é muito mais o de melhorar e ampliar a competitividade nos mercados externos, o que obviamente requer métodos e políticas diferentes. Ontem como hoje, porém, não há como dispensar a existência de estratégia nacional que defina o que se espera dos investimentos estrangeiros. A razão é evidente. As gigantescas empresas transnacionais, ao contrário dos governos latino-americanos, jamais sonhariam em deixar de definir estratégias próprias, que podem ou não coincidir com os objetivos nacionais de desenvolvimento. Essas estratégias são às vezes orientadas para a busca de maior eficiência e menores custos; outras vezes, tendem a assegurar a exploração de recursos naturais, como o petróleo e os minerais, ou são atraídas pelo tamanho dos mercados internos. Cabe aos governos formular políticas para os investimentos que orientem as estratégias empresariais dos grandes investidores para objetivos coincidentes com os nacionais e não se limitem a aceitar passivamente prioridades das empresas.

Foram essas algumas das conclusões do seminário sobre políticas de investimento estrangeiro que a Cepal e a Unctad organizaram no começo do ano em Santiago e que se concentrou na análise de três experiências contrastantes nesse particular: 1) a dos países que melhoraram a competitividade internacional por meio do investimento estrangeiro no setor de manufaturas (México e Costa Rica); 2) a dos que só lograram avançar em recursos naturais ou manufaturas dependentes desses recursos (Chile); 3) a dos que não tiveram êxito em utilizar o investimento externo para expandir a competitividade exportadora (Brasil e países andinos).

Os estudos apresentados demonstraram que o êxito é função da qualidade da definição de objetivos de desenvolvimento nitidamente vinculados a metas da política de investimento. O caso do México é exemplificativo: o sucesso da política de atração de investimentos para converter o país em gigantesca plataforma de exportação para os Estados Unidos de automóveis, autopeças e tecidos e confecções só se tornou viável graças a uma estratégia de governo, a de integrar-se no espaço econômico norte-americano mediante o acordo do Nafta. Tal estratégia é de difícil imitação em contexto geográfico e político diferente do mexicano e, mesmo no seu país de origem, não foi capaz de gerar laços orgânicos de complementaridade com a indústria nacional. Não se pode negar, contudo, que exista uma indiscutível estratégia política nacional, graças à qual as vantagens negociadas, sobretudo as regras de origem, possibilitaram a coincidência entre os interesses das montadoras e os do governo. Outra ilustração positiva da relação entre projeto nacional e política de investimento é o caso da Costa Rica, mercado pequeno, mas que dispõe de estratégia bem definida em relação a dois setores exportadores de grande potencial: o eletrônico e o de equipamento médico-hospitalar.

Em contraste, as economias que se especializaram em produtos em declínio no comércio internacional _caso dos produtos agrícolas e minerais em geral_ são obrigadas a esforço muito maior de competitividade internacional porque, nessas áreas, qualquer avanço nos mercados globais só pode ser alcançado à custa da redução de participação de competidores.

O Brasil encontra-se infelizmente relegado à categoria mais desfavorável, a dos que não souberam ou puderam melhorar a competitividade, apesar do substancial volume de investimentos estrangeiros recebidos nos últimos anos e que, cedo ou tarde, terão impacto negativo no balanço de pagamentos. No momento em que o país se encaminha a novo ciclo governamental, é indispensável definir um projeto nacional de desenvolvimento que contenha importante componente de estratégia de investimentos estrangeiros destinados a ampliar a oferta de exportações e melhorar sua competitividade nos mercados externos.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 07/04/2002.