Pedestre atravessa na faixa e vê carro que avança a seu encontro; motorista trafega na mão correta e enxerga jamanta que invade a pista na sua direção. O que faria você:

a) cederia lugar para que o energúmeno passasse? b) morreria esmagado, com sorriso nos lábios por estar no seu direito?

Quem escolheu a letra “b” pertence à categoria ilustrada pelos presidentes George W. Bush e Luiz Inácio Lula da Silva no que tange ao aquecimento global. O primeiro por velhaquice inata. Sabe que é o vilão principal da emissão dos gases-estufa, no passado e no presente, mas joga o ônus nas costas da China, da Índia, do Brasil, dos emergentes que aumentam suas emissões a ritmo mais acelerado que os ricos.

Alega que 73% do aumento das emissões vem dos países em desenvolvimento, não sendo justo eximir de controle aqueles que logo serão os maiores culpados até em termos absolutos (41% no momento).

O segundo faz raciocínio inverso. Os industrializados respondem por 60% dos gases acumulados (77% do dióxido de carbono, segundo a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos). Cabe-lhes resolver o problema que criaram.

Nós e a torcida do Flamengo (e do Corinthians), isto é, a China, a Índia, a Indonésia, a África do Sul, o México, seis entre os dez primeiros poluidores, não assumiremos nenhum compromisso a não ser o de torcer para que os ricos façam seu dever.

Ambos invocam direito e eqüidade. Os dois têm e não têm razão, ou melhor, a razão de cada um é insuficiente, embora a do nosso presidente seja melhor que a do americano. Mas de que serve ter razão e contribuir por omissão para o suicídio do país e do planeta?

É fácil ver o que ganha com isso o primeiro, ligado por família à indústria petrolífera, fonte de sua fortuna pessoal. Já o segundo não está claro o que ganha, ele ou o país, que é o nosso, em declarar: “Não aceitamos fazer sacrifícios porque temos o direito de crescer como fizeram os ricos”.

A China tem dito isso desde a conferência de Estocolmo (1972) e do Protocolo de Kyoto (1997) e vem, de fato, crescendo de modo predatório. Em parte por esse motivo, põe em risco até a indústria brasileira. O Brasil, diria o companheiro Chávez, repete como papagaio o que dizem os chineses. Só que fala e não faz pois quase não cresce.

Nossa vocação parece ser a de tirar as castanhas do fogo para os chineses saborearem. O Brasil, por exemplo, inventou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, mas a China, que em breve será o maior poluidor do planeta, sozinha abiscoitou mais de três quintos do dinheiro que ele produziu no ano passado.

Nesse ponto, é absurda a aliança do Brasil, país de matriz energética limpa, com os “sujos” como a China e a Índia, dependentes do carvão. Razão teve o professor Eduardo Viola, da UnB (Universidade de Brasília), grande autoridade no assunto, ao escrever: “A vantagem da matriz energética ficou sempre subordinada à desvantagem do desmatamento na Amazônia na formação da posição brasileira”.

A frase atribuída ao nosso presidente na reunião do G8 (grupo dos países mais industrializados) dá a entender que teríamos de sacrificar o crescimento para limitar a emissão de gases. Acontece que 75% das emissões brasileiras vêm das queimadas e do desmatamento. Dizer que isso é crescimento é tão leviano e irresponsável como afirmar que usineiros exploradores de trabalho semi-escravo e devastadores de matas são os heróis do nosso povo.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 10/06/2007.