Em meio a tanta morte cruel e sem sentido em massacres, desastres evitáveis e clínicas assassinas, o Brasil consegue produzir, de vez em quando, notícias que aquecem o coração e reacendem a esperança.

É esse o caso da revelação de que passam dos 5 milhões as pessoas que se libertaram da pobreza absoluta graças à estabilização trazida pelo Real.

A rigor, a novidade está apenas no cálculo quantificado e preciso. Os que viveram de perto a aventura do Real hão de se lembrar, com efeito, de que o impacto da nova moeda contra as formas extremas da pobreza foi fulminante e imediato.

Nos 15 primeiros dias de julho de 1994, os únicos setores do comércio que acusaram forte aumento no consumo de alimentos, roupas e até móveis foram as lojas populares da periferia.

Foi a demonstração palpável de que não era mera coincidência sermos, ao mesmo tempo, o país da inflação crônica por excelência e um dos mais aberrantes e escandalosos exemplos de concentração de renda.

É certo que na raiz da miséria brasileira se encontram a escravidão, o latifúndio e o subdesenvolvimento herdado da colônia. Não é menos certo, porém, que, por décadas, os aumentos salariais a duras penas arrancados pelos sindicatos eram, em semanas ou dias, engolidos pela aceleração da inflação.

É por isso que a estabilização foi e continua a ser precondição indispensável de qualquer esforço eficaz e durável para melhorar o perfil da distribuição de renda e reduzir a pobreza.

Indispensável, mas não suficiente, pois sem crescimento rápido a estabilidade pode facilmente virar sinônimo de estagnação e desemprego. À medida, assim, que se consolida a estabilidade, mediante as reformas estruturais e o equilíbrio das contas do governo, é preciso pisar no acelerador e crescer pelo menos 7% ao ano, a fim de gerar contínua expansão de emprego.

Mesmo isso não basta, se não tocarmos na estrutura da propriedade agrária e se os resultados do crescimento continuarem concentrados em poucas mãos, como nos anos do falso milagre.

Acima de tudo, deve-se garantir o êxito do esforço do atual governo para melhorar substancialmente a qualidade da educação primária, secundária e técnica, chave para produzir gente mais qualificada para empregos de melhor salário.

A fim de evitar a conversa fiada do passado, poderíamos buscar inspiração na proposta japonesa de uma estratégia de desenvolvimento para o século 21 que se traduza num calendário de metas quantificáveis.

O Japão está propondo, por exemplo, que a comunidade internacional se comprometa a alcançar os seguintes objetivos no ano 2015: educação primária universal em todos os países, redução em dois terços da mortalidade infantil e de metade na proporção dos que vivem abaixo da linha da pobreza.

Impossível? Irrealista? A China, até 40 anos atrás sinônimo de caso desesperado, em menos de uma década dobrou sua renda “per capita” e fez despencar a incidência da pobreza de um terço para um décimo! É verdade que sua economia cresceu 9% anuais durante 17 anos ininterruptos, e suas exportações aumentaram dez vezes em 15 anos.

Em lugar do palavreado dos nossos discursos, essa abordagem nos daria objetivos definidos em números, fáceis de aferir e controlar. Obrigaria os executivos, as assembléias, a sociedade em geral a elaborar orçamentos com recursos distribuídos ao longo de vários anos. Seria um argumento poderoso em favor das reformas, pois forçaria a escolha entre o desperdício e o investimento social.

Quem se sentir tentado a descartar a idéia como inviável deve lembrar que, na memória coletiva do Brasil, o símbolo do êxito continua a ser o Programa de Metas de Juscelino.

Por que não tentar construir o novo pacto social, o projeto nacional de que o Brasil precisa sobre a base de um Programa de Metas contra a Pobreza, não como iniciativa complementar ou posterior, mas como parte inseparável da política econômica?

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 22/06/96.