Depois de 33 anos de ausência, voltei a Viena onde, entre outras coisas, falei na Academia Diplomática. Lá me perguntaram se a possibilidade de atrair recursos de fora, criada pela liberalização financeira, era favorável ou não ao desenvolvimento.

Respondi que era como o Viagra. Em casos extremos, pode não haver outro remédio. Mas, se o coração não é forte, o excesso de excitação matará o paciente. Ou o viciará numa droga cujo suprimento não é sempre confiável. O melhor mesmo é fazer como os homens na Alemanha, que, segundo leio numa pesquisa, declaram não ter necessidade da pílula.

Veja o caso do Brasil. Pelas razões conhecidas, não conseguimos até agora eliminar as causas do déficit orçamentário e exageramos na valorização da moeda, gerando um rombo nas contas externas.

A fim de remendar o estrago, temos vivido da mão para a boca, graças ao dinheiro de curto prazo atraído pelos juros galácticos.

Desse ponto de vista e contrariando a auto-imagem de machismo, somos um país de impotentes. Não podendo gerar internamente as condições de autocrescimento autônomo, uma alta taxa de poupança, por exemplo, precisamos desesperadamente de comprimidos. E o pior é que cada vez necessitamos de doses mais paquidérmicas. Meu amigo Marcílio Moreira gosta de repetir o adágio romano: “Dosis facit vaenenum”. E nós exageramos na dose, tanto na moeda valorizada como na dependência de dinheiro estrangeiro fácil.

O resultado é que o círculo vicioso já nos aperta o pescoço e ameaça nos estrangular. Para neutralizar o fantasma asiático, tomamos uma overdose de juros.

Voltamos a atrair dinheiro, recuperamos as reservas, mas o preço foi indigesto: desemprego de massa, recessão e, perversamente, o pior tipo de déficit, o gerado pelos juros, estéril e inútil, que não cria riqueza e destrói empregos.

A presunção era que, após um par de meses, a crise asiática se aliviaria e a melhoria do clima internacional nos permitiria renovar o suprimento de Viagra a custo mais baixo, com menos juros e mais crescimento. O pior, contudo, é: quando as coisas melhoram num lado, elas pioram noutro. Se não é a Tailândia, é o Japão, a China, Hong Kong e ultimamente a Rússia. Cada susto torna a pílula mais cara e mais rara.

Esperei quase meio ano para voltar a este assunto. Até eu mesmo começava a entediar-me com meus artigos. Tinha a esperança de que algo haveria de melhorar ou de mudar em termos conclusivos.

É hora, todavia, de falar novamente da crise. Qual é o panorama 11 meses após o início do drama, a desvalorização da moeda tailandesa?

Na Ásia como um todo, a situação continua sombria: a perda líquida de recursos financeiros em fins de 1997 foi de US$ 109 bilhões, mais de 10% da soma do PIB dos países afetados e dramático alerta para quem se torna dependente da pílula. A recessão é geral, podendo chegar a menos 10% na Indonésia e acentuando-se agora também na Malásia.

O ajuste em conta corrente é impressionante, sobretudo na Coréia e Tailândia, mas vem-se fazendo da pior maneira possível, por meio não do aumento das exportações, mas sim de cortes brutais nas importações, da ordem de 20% a 30% ao mês.

Nem sinal ainda da reativação econômica capaz de dar de novo a esses países a capacidade de importar nossos produtos e assim reanimar suas cotações.

O custo social em sofrimento humano se agrava: quase 20 milhões de desempregados, milhares de falências, tensões sindicais, 10 mil perdas de emprego por dia em alguns países.

Em dezembro, escrevi que o Japão era o x do problema. Hoje, a equação segue sem solução. A economia estagnou no ano fiscal findo em março, os bancos tiveram perdas gigantes e continuam a não emprestar.

Se excetuarmos alguns aumentos em medicamentos praticados pelo governo, o índice geral de preços caiu em 0,1%. Dessa forma, ao lado dos valores de imóveis e ações, em queda livre desde 1990, a perspectiva de deflação se reforça no domínio dos preços.

Um novo pacote de estímulo, o sétimo desde 1992, foi anunciado, com gastos de mais de US$ 120 bilhões em obras públicas. Tal como sucedeu com o Real, que foi o oitavo plano brasileiro de estabilização, quem sabe desta vez dará certo. De outro modo, temem alguns que o iene possa chegar a 150 e até 160 por dólar, com resultados explosivos.

O primeiro desses impactos se fará certamente sentir sobre o comércio e as moedas da China, Hong Kong, Taiwan, Coréia, Cingapura.

Na China os preços estão caindo há sete meses e o crescimento se desacelerou. Hong Kong teve no primeiro quarto deste ano uma redução de 2% no PIB.

Os outros, que estavam começando a recuperar o equilíbrio, sofrerão outro tranco se a moeda japonesa não se recuperar.

Tudo isso não deixará de repercutir do outro lado do Pacífico, na economia americana, que já vem sentindo o vento frio da Ásia na queda de lucros das empresas, na perda de mercados de exportação e no agravamento do déficit comercial.

Este último poderia ser tolerado se a economia continuasse a crescer com pleno emprego. Acontece que o ritmo está afrouxando e outros problemas independentes se manifestam, como a pressão salarial, não mais compensada pelos ganhos de produtividade. Se o FED tiver, nesse quadro, de aumentar os juros, quem garante que a necessária redução da bolha especulativa da Bolsa se faça em doçura, com gemido e não com estouro?

Estou consciente de que, sem carregar nas tintas, preferi chamar a atenção para as sombras, às expensas talvez das luzes do quadro. Poderia ter falado dos sinais encorajadores que chegam da Europa, em particular da França, Espanha, Holanda e um pouco menos da Alemanha, onde começa a tomar corpo um crescimento moderado puxado pela demanda interna.

Em compensação, nada disse sobre as agruras de Moscou e seu impacto sobre nós.

Escolhi reagir de propósito contra a tendência natural de minimizar a crise asiática, perceptível nas avaliações de muitas instituições, como o FMI (no início), e observadores ocidentais. Mas, a fim de demonstrar que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém e muito menos a quem precisa de Viagra, termino com o editorial que o “Financial Times” dedicou, domingo passado, à “Crise Emergente” (referência à Rússia). O jornal conclui: “o pânico ainda não se justifica. As economias ocidentais são suficientemente fortes para resistir aos efeitos asiáticos e todo o esforço será feito para salvar o rublo. Mas a situação é instável. Com o Japão continuando uma fonte de debilidade, não está nada claro como a economia mundial – e particularmente os efervescentes mercados ocidentais de ações – enfrentaria um nova onda de desvalorizações. Façamos votos de que não teremos de descobrir”. Ao que só cabe acrescentar: Amém.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 06/06/1998.