O governo brasileiro assinou acordos com os Estados Unidos de facilitação de comércio e de investimentos em uma série de áreas, inclusive a rede 5G de internet móvel. Em uma guerra comercial que o mundo inteiro está acompanhando, é uma tentativa dos americanos de convencer o Brasil a não adotar a tecnologia chinesa.
O documento é uma carta de intenções assinado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes e a presidente do EximBank, o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos, Kimberly Reed, em cerimônia no Palácio do Itamaraty. Os Estados Unidos acenam com US$ 1 bilhão, mais de R$ 5,5 bilhões, para financiar projetos no Brasil nas áreas de energia: nuclear, gás e óleo; infraestrutura; logística e mineração; e, especialmente, para telecomunicações. E aí que está o interesse americano: a tecnologia 5G.
A internet móvel de quinta geração, o 5G, promete ser até dez vezes mais rápida do que o 4G. Além da maior velocidade, conexões mais estáveis e consumo de energia 90% menor do que o 4G. A tecnologia vai integrar diversas máquinas que utilizem o 5G, como celulares, notebooks, eletrodomésticos e veículos, permitindo o desenvolvimento de casas e cidades inteligentes, com a interligação de sistema de iluminação pública, tráfego, transporte público, por exemplo.
A empresa chinesa Huawei está no centro da disputa comercial e de influência política de Estados Unidos e China. Em dezembro de 2018, a pedido da Justiça americana, o Canadá prendeu Meng Wanzhou, filha do fundador da Huawei. Uma empresa ligada à Huawei teria feito negócios com o Irã, violando sanções americanas. A Huawei negou as acuações. Wanzhou deixou a cadeia depois de pagar fiança.
Sem apresentar provas, em abril de 2019, os Estados Unidos decidiram considerar a Huawei uma ameaça à segurança nacional e proibiram órgãos do governo americano de comprar seus produtos. O governo de Donald Trump alega, sem provas, que uma rede 5G desenvolvida pela Huawei poderia ser usada pela espionagem da China. A empresa e o governo chinês negam as acusações.
A presença do conselheiro de Segurança dos Estados Unidos, Robert O’Brien, na cerimônia desta terça reforça o interesse do governo Trump, a 15 dias da eleição americana. O’Brien disse na segunda (19) a empresários brasileiros que a Huawei poderá ter acesso informações estratégicas de empresas e do governo se for escolhida pelo Brasil.
Citando a China, o ministro da Economia defendeu as relações comerciais com todo o mundo, e afirmou que a parceria com os Estados Unidos se dá por questões como geopolítica e segurança.
“Nós comercializamos com o mundo inteiro, como os americanos também, sempre comercializando com a China, sempre abertos. Mas também sabemos geopoliticamente quem somos nós. Nós somos uma democracia liberal do ocidente, nós somos a segunda ou a terceira, a segunda maior democracia do ocidente, e possivelmente a terceira maior do mundo logo depois dos EUA e Índia. Então nós sabemos quem são nossos parceiros geopolíticos e, ao mesmo tempo, praticamos comércio com todo mundo. A nossa aproximação com os americanos foi sempre, está sendo, com base não só em resultado econômico, mas também em segurança”, disse Guedes.
Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro disse que não interfere nas eleições, mas que torce por Trump.
Rubens Ricupero, que foi embaixador em Washington, alertou que o Brasil não deve tomar lado em uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.
“Você não explicaria a presença na missão do assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, que é um cargo muito alto. Ele nunca viria ao Brasil apenas para assinar um acordo de facilitação de comércio. Uma questão de prudência elementar seria o Brasil esperar as eleições. Porque as eleições americanas são daqui a… quantos? 16 dias, 17 dias. Melhor esperar as eleições e esperar para ver o que vai acontecer”, avaliou.
Em nota, a embaixada da China no Brasil disse que “um pequeno número de políticos americanos, desprezando os fatos e forjando uma série de mentiras, vem lançando ataques difamatórios contra o 5G da Huawei”. E afirmou que ” O lado chinês está disposto a expandir a parceria tanto nas áreas tradicionais como nas emergentes, incluindo o 5G”.
O diretor de Segurança Cibernética da Huawei, Marcelo Motta, disse que proteção de dados é prioridade da empresa.
“Nós temos todo um cuidado com a segurança cibernética e proteção de privacidade. E são prioridades máximas para a nossa companhia. Nós somos a empresa mais transparente e aberta, visto que nossas soluções são as mais testadas no mundo todo.”
Por causa da pandemia, o leilão da Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, para as novas frequências onde vai entrar o 5G, ficou para 2021. Especialistas em tecnologia alertam que o Brasil não deve se ater a questões políticas para definir os negócios.
“O Brasil, como qualquer outro país do mundo, tem que olhar para o 5G como uma tecnologia estratégica. Então, é independente do parceiro comercial ou dos fornecedores que venham atuar no país, é importante que o Brasil adote certas medidas de auditoria e certificação de equipamentos em termos de segurança cibernética. Então, por mais que se tome decisões comerciais que visam aí atender algum tipo de interesse nacional, a tecnologia em si é agnóstica a toda essa discussão política. Ela tem ali componentes que vêm de todas as partes do globo”, afirmou Gustavo Correa Lima, consultor de telecomunicações.
Matéria publicada no site do Jornal Nacional em 20/10/2020. Clique aqui para acessar a publicação original.